TOSKA

110 20 7
                                    

Oi, me chamo Lee Minho. Eu tenho 22 anos, ou pelo menos eu acho que ainda tenho. Faz um tempo que eu perdi noção do tempo, até esqueci meu aniversário.

Às vezes eu penso que estou num loop eterno, que quando acaba um dia ele começa de tudo novo e eu repito as mesmas ações, mas pode ser porque não se tem muito para fazer aqui. Mas eu sempre estou com a mesma roupa... Também não sei o porquê de estar vestindo-as, não fazem meu estilo. Essa blusa de manga comprida é muito apertada, me sufoca. Também não gosto das cores, eu sempre vestia cores pastéis e roupas largas e confortáveis, porém, em algum momento, eu comecei a vestir essas.

Também tenho outra teoria: o tempo pode ter parado, mas só aqui dentro. Eu não olho para as janelas porque não gosto nem de estar perto delas, então não sei se minha teoria está correta. Eu também não vou até a porta de entrada, eu não gosto de estar lá. Às vezes eu penso que, se eu superar meu desgosto por janelas e pela porta da frente, talvez eu arrume outro jeito de sair disso tudo. Eu nunca sei como está o céu, mas eu sei que lá fora não está parado pois algumas pessoas aparecem aqui esporadicamente.

Eu moro aqui faz... eu não lembro. De nada. Mas isso não é importante agora. O importante é que eu tenho minha pequena felicidade aqui. Pequena, mas existente. Todo dia eu corro pelos longos corredores, de vez em quando pulando durante a corrida. Eu não sei porque passei a gostar tanto de correr. Eu me lembro de ser perseguido aqui algumas vezes, mas nessa época esse lugar não era tão... cinza. E triste; rodopio e danço na sala cheia de brinquedos até não querer mais. Eu adoro dançar. Sempre dancei. É meu porto seguro. Também adoro os tapetes em forma de quebra-cabeça que tem no chão. Deitar neles é muito bom, e são das cores que eu gosto: pastéis; contemplo os pôsteres com frases motivacionais que tem espalhados por todos os lugares; deito no chão frio da cozinha e, olhando para o teto, penso por que eu tenho uma fadiga tão grande. Eu não me lembro da última vez que comi; rego as várias plantas espalhadas pelas paredes, que não existiam aqui mas em algum momento passaram a existir, com água de uma goteira no teto da sala de medicamentos. Tem outros lugares com buracos no teto também, mas cai água principalmente desse; vou para um dos quartos que tem uma acústica muito boa e canto. Não tem instrumentos de corda nessa sala além do piano, eu não me lembro o motivo; me sento em uma das várias cadeiras de rodas e tento as fazer mover. Eu não sei como fazê-las se mexerem quando me sento nelas, só quando eu estou de pé e as chuto; e, quando eu me canso, vou para um dos vários quartos — olhando para o chão para não ver a janela —, me deito na cama e durmo. Ou tento dormir. Já não sei se caio no sono ou não.

Das poucas coisas que me lembro, uma delas era meus amigos vindo toda sexta me visitar aqui, normalmente de noite, mas uma hora eles pararam. Mas eu não acredito que eles fariam isso, por isso acho que estou em um loop ou que o tempo parou. E que, quando eles voltarem, eu vou sair dessa prisão e voltar a ser verdadeiramente feliz. Eles não me deixariam sozinho. Mas, como eu não olho para fora e perdi a noção do tempo, sempre que aparecem pessoas aqui, que é raro, eu desesperadamente pergunto que dia da semana é, mas quase nunca me ouvem. Nem me veem. Eu não entendo como. Apesar de não lembrar do rosto de meus amigos, eu sei que quando ver eles eu vou saber que são eles. Já olhei em todos os cartazes para ver se, por um acaso, eles estavam em um deles, sem sucesso. E até agora não voltaram aqui. Porque eu estou em um loop e essas pessoas que não me escutam fazem parte dela. Não meus amigos.

Outra coisa que eu me lembro vagamente era que meus braços e algumas partes das coxas tinham arranhões. Eu acho que eu me arranhava quando estava com medo ou ansioso, mas tenho certeza que não era com a intuição de me machucar. Eu só começava a me arranhar. Um hábito. Eu também me lembro de "coisas" me observando, tocando em mim, falando coisas para mim, mas os outros diziam que não tinha ninguém ali além deles. Eu me sentia preso num conto de terror por Lovecraft onde eu era o personagem principal e a única pessoa lendo o livro. Eu não tinha livre arbítrio. Às vezes eu me pergunto por que eu tive que passar por tudo isso e agora, por esse loop. Eu fiz algo de errado? Eu nunca fui uma pessoa má, nem as pessoas daqui me diziam isso. Eu escutava que eu poderia ser um perigo para mim mesmo, mas não para os outros. Então por que eu estava e estou nesse interminável sofrimento?

Às vezes eu lembro dos meus amigos e dos meus gatos e começo a chorar. Algumas vezes pessoas escutam e perguntam a quem quer que estivesse com elas "O que é isso? Vocês estão ouvindo também?", então, quando eu tenho forças para sair de onde estou, vou até eles e pergunto que dia da semana é. A maior resposta que eu tive foi um grito e saíram correndo. Também gritam quando estou brincando por aí, qualquer seja a brincadeira, eu não entendo por quê. Eu só estou tentando preencher um pouco do imenso vazio que existe em mim. Não entendo quando dizem "Como que essa cadeira de rodas está se mexendo sozinha?", é impossível algo se mexer sozinho. E sempre sou eu brincando com elas.

Eu sinto muita falta de meus gatos. São 3. Ou 2? Eu não me lembro mais, e isso me deixa muito triste. Não lembrar dos meus amigos e de meus bichinhos me entristece muito. Eles significam o mundo para mim. Faz tanto tempo que não vejo meus bichanos que estou me esforçando ao máximo para não esquecer como são os miados deles. Pensar neles e nos meus amigos também me deixa feliz, mesmo sendo uma pilha de melancolia ambulante. Será que eles sentem a minha falta? Me questiono se estão alimentando e mimando meus gatos bem. Eu espero que eles não tenham esquecido de mim. Me pergunto também se meus amigos desistiram de mim, que acharam alguém melhor que eu. Mas eu tenho esperança que eles vão vir me buscar.

Voltando a falar de pessoas aparecendo aqui, uma vez passou um grupo de dois meninos e uma garota. Eles eram legais. Eles não picharam as paredes como os outros, na verdade eles admiraram o lugar. Até deitei ao lado deles quando se deitaram no tapete de quebra cabeça, acho que um deles sentiu que eu estava ali. Não me via, igual a todos os outros, mas sabia que eu estava ali. E foi quando um desses três amigos disse "Essa janela está quebrada, a única que não tem tela protetora de todas as outras e a única que está quebrada. Foi do lado de dentro." que eu me lembrei de estar no sétimo andar e ter me jogado da única janela que não era telada num surto psicótico por medo de alguma coisa me pegar. E o loop começou.

TOSKA - Lee KnowOnde histórias criam vida. Descubra agora