O beijo mexeu comigo

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— Ele é o meu melhor amigo.

— Eu e o teu pai também éramos amigos — contou a mãe da Cecília, relembrando alguns momentos da adolescência.

— Como eu poderia saber? Ele nunca deu nenhuma pista, mãe.

— E era preciso? Está praticamente escrito na testa dele que ele gosta de ti.

— E porque eu não me apercebi disso?

— Porque será? Por um tal de Rúben, talvez?

— Talvez. Eu... Eu não sei o que fazer - suspirou. A sua mãe levantou-s e foi até ela.

— Sabes sim — afirmou. Deixou um beijo testa da Cecília e saiu.

— Apenas vês mesmo ele a tua frente — soltou sem pensar, mas não se arrependeu.

— Do que é que estás a falar? —indagou sem entender.

— Passas a maior parte do tempo a falar desse Rúben.

— Eu não entendo o problema, Heitor, qual é o problema de eu o admirar? De eu gostar dele ?

— Esse é o problema, Cecília — no rosto da Cecília tinha uma expressão questionadora. Ela não estava a entender a atitude do seu amigo. "O que o chatiava tanto?" Perguntava-se ela. E isso irritava mais o Heitor, perceber que ela não o enxergava, apenas via o tal de Rúben. Ele bufou em desistência. Levantou-se.

— Heitor... — a Cecília ficou de pé também. Segurou o seu braço. Ele fechou os olhos por alguns segundos e a encarou.

— O que ele tem de tão especial? O que todos têm que eu não tenho? — perguntou com dor nos olhos.

— Somos amigos. Melhores amigos, és como um irmão...

— Por favor... Por favor, não repita isso nunca mais — ele fechou os olhos, sentindo seu coração partir-se pouco a pouco.

Ele sentiu as mãos dela no seu rosto. Abriu os olhos, encontrando os dela e a beijou. Fez o que sonhava fazer há anos. E a Cecília retribuiu.


— Eu retribui o beijo — ela contou a Bia, ainda atordoada com tudo.

A Bia fitou-a com um olhar doce, a abraçou e disse: Sabes a resposta.

— A minha mãe falou o mesmo.

— O que sentiste com o beijo?

— Por incrível que seja, ele mexeu comigo, Bia, o beijo mexeu comigo... Com tudo de mim.

A Bia sorriu feliz, ao ver a amiga confessar seus sentimentos.

— E isso não é bom?

— Sei lá. Somos amigos. Tenho medo de destruir tudo de bom que nós temos.

— De qualquer maneira não será mais a mesma coisa, independentemente da tua decisão.

— Queria poder voltar no tempo e impedir a sua confissão.

— Ah, meu Deus, Cecília! Essa não é a minha amiga, devolvem a minha amiga agora! Não foi essa que me disse para me jogar com tudo? Não é essa que sempre é a pessoa de atitude, corajosa, que não gosta de se esconder? Trocamos de papéis quando?

A Cecília sabia a resposta, aliás, ela entendeu logo depois do beijo, percebeu tudo. Mas e se não der certo?, pensou ela. Não o quer longe, jamais, da sua vida.

— Ela tem medo — revelou a Bianca ao Heitor.

— De quê?

— De destruir o que vocês têm.

— Não adianta, já não vai ser a mesma coisa.

— Eu sei.

— Dê a ela um tempo.

— Quanto tempo?

— O necessário para ela pensar em tudo e poder também escutar o seu coração. És muito importante na vida dela, nunca duvides disso.

— Agora vai para casa e espera ela tomar a iniciativa.

— Tens certeza? — perguntou com a mão apoiada no batente da porta, com ar de cansaço e com olheiras. Ele mal conseguiu dormir.

— Absoluta. Qualquer coisa me avisa — concordou a Bia. Fechou a porta e voltou para o quarto dela.

— era ele? — a Cecília perguntou, assim que a viu entrar no quarto.

— Era — a Bia suspirou e sentou-se na beira da cama — me dói ver-vos assim e não poder fazer nada. Depende simplesmente de vocês.

— Já fazes muito ao estar aqui e  apoiar-nos.

— Porém eu queria poder fazer mais que isso.

O Heitor estava sem norte, mas decidiu escutar a Bia.

Parou num quarteirão qualquer, baixou um pouco o banco e ficou ali, a olhar para o nada, dando asas aos seus devaneios.

O que ele faria, além de esperar? Esperar ela estar pronta para conversar com ele e falar que apenas senti carinho e mais nada.

" Irmã? É o que eu sou para ela " pensou com tristeza.

Em seu coração ele já imaginava o que ela diria, sabia que ela faria de tudo para não mágoa-lo. " Não é culpa dela", pensou. Nem sempre se é correspondido, infelizmente.

Aceitaria, iria tentar não mostrar tristeza e simplesmente dizer que está tudo bem, e poderíamos continuar a ser amigos como sempre.

Ouviria ela falar do Rúben ou de qualquer outro rapaz sem reclamar e nem demonstrar o quanto o machucava. Estava pronto para isso ou pelo menos é o que ele pensava, para vê-la sorrir. Ficaria nos bastidores a torcer pela sua felicidade.

O seu telefone vibrou no bolso da calça. Ele ignorou, não queria falar com ninguém, mas voltou a vibrar várias e várias vezes, o que o fez acabar por tirá-lo do bolso para ver quem era: Leandro.

— Onde é que estás? — ouviu questionar assim que atendeu.

— Nem eu sei. Eu só dirigi sem saber para onde ia. Foi a Bia que te pediu para me ligar, não foi?

— para ela é difícil ver-vos sofrer.

— E a Cecília, sabes dela? Tudo isto é minha culpa — o Heitor passou a mão pelo rosto.

— Claro que não, ninguém tem culpa, aconteceu. Não se manda nos sentimentos.

— Mas eu nunca deveria ter dito nada — disse, sentindo raiva de si mesmo. Se sentia um idiota por estar a fazer sofrer a garota que ele tanto amava.

— Para de se martirizar, cara. Ainda bem que contaste.

Um coração com feridasOnde histórias criam vida. Descubra agora