Porto, Portugal, janeiro de 1955
O vento cortante soprava nos ramos de árvores despidas de folhas, fazendo arrepiar até o mais quente coração. O ténue calor do sol já não tardava em desvanecer-se para lá do horizonte. As nuvens estavam pintadas de tons rosados e alaranjados, contrastando com o profundo azul do céu. Apesar do pôr do sol eminente, ainda era cedo. Os ponteiros do relógio da Torre dos Clérigos assinalavam as quatro horas da tarde.
As luzes da cidade começaram a acender, iluminando as ruas e as praças vazias. Nenhuma vivalma ousava atravessar a longa calçada portuguesa, naquele dia mais glacial do que a noite. Apenas uma figura baixa e morena caminhava sozinha, de passo apressado e com o coração a galopar.
Os seus dedos brincavam com o veludo das luvas e os olhos achocolatados estavam atentos a cada perigo da rua, vacilantes. O bafo quente saía dos seus lábios, misturando-se com o ar gélido. A jovem Leonor sabia que não podia andar assim, só, especialmente quando já anoitecia. Ansiosa, fechou o seu casaco mais para si, o frio fazia-lhe arrepiar da cabeça aos pés. Havia chegado o inverno.
— Menina? — Uma voz surgiu por detrás dela, fazendo-a pular de susto. — Está tudo bem?
O seu coração parou.
Lentamente, os olhos assustados pousaram num homem, já na sua meia idade. Trajava um uniforme escuro e ao seu peito tinha um crachá de polícia sinaleiro. Na sua cabeça estava o típico capacete branco. Apesar do tom calmo, o olhar dele mostrava inexpressividade e, a sua pose era rigorosa e austera.
A morena tentou esboçar um sorriso descontraído e uma postura reta, escondendo o seu nervosismo a florescer à flor da pele. O seu coração estava a galope e com todas as suas forças, Leonor controlava cada respiração. Por favor... Olhou no fundo do olhar sem vida. Não me desmascare.
— Sim, está tudo, meu caro senhor. — Ajeitou um dos seus cabelos lisos, esforçando para transparecer no seu rosto um semblante sério e calmo. — Há algum problema?
Os olhos escuros do polícia analisaram cada traço e expressão desenhado na face de Leonor, como se tentasse achar qualquer sinal de hesitação vinda por parte dela. O silêncio entre ambos deixava o coração da fadista mais acelerado do que quando estava prestes a atuar na casa de fados. O suor acumulava-se na palma das suas mãos, protegidas pelas luvas de veludo. Peço-lhe, deixe-me ir.
— Por favor, mostre-me a sua identificação, menina.
Leonor assentiu lentamente com a cabeça e tirou um pequeno pedaço de papel, estendendo para o agente. Ao ter a identificação nas mãos, o olhar severo do polícia deslizou pelas letras perfeitamente caligrafadas.
— Onde é que a menina trabalha? — Ergueu os olhos escuros do papel, encarando-a.
— Na Casa de Fados Abreu. — Os dedos delas brincavam com a textura da mala, acalmando o coração da morena. — Sou uma das fadistas.
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Fadista
Historical Fiction«Durante a segunda parte do século XX, na cidade mais portuguesa de Portugal, o Porto» Dizem que o amor pode vencer qualquer tempestade, mas poderia ele sobreviver a um dos regimes mais tiranos que alguma vez assombrou Portugal? Em meados da década...