Capítulo Onze - Parte Dois

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Porto, Portugal, agosto de 1955

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Porto, Portugal, agosto de 1955

Os ponteiros do relógio apontavam para as quatro da madrugada. A cidade do Porto dormia calmamente, sem qualquer ruído ou vivalma a deambular pelas ruas. Estava uma noite abafada, típica de verão. Ouvia-se as cigarras a cantar ao longe, a única harmonia que pairava naquele lugar.

As luzes das casas estavam apagadas, exceto uma. Na rua das Flores, o palacete da família Oliveira tinha uma ténue luz a reluzir numa das janelas fechadas por pesados cortinados de veludo.

Uma figura feminina estava diante de um espelho. As cores douradas da chama iluminavam o perfil da sua face apreensiva e ansiosa, à medida que penteava os seus cabelos até formar um pequeno coque. O seu corpo estava coberto por roupas masculinas. Era um fato negro e simples, ajustado pelas minuciosas mãos da jovem Lurdes.

Passou as mãos ao longo da sua cintura, ajeitando as pontas do blazer, com a cabeça perdida nos seus pensamentos. O seu olhar dirigiu-se à penteadeira e esticou a sua mão, agarrando um chapéu preto que estava pousado na superfície de madeira. Ergueu a sua mão e colocou o acessório na sua cabeça. Com isto, levantou lentamente os seus olhos cor chocolate, encarando o seu reflexo pela última vez.

O seu coração batia forte no seu peito mas, a sua respiração era calma.

— Passaram-se quatro anos... — sussurrou para si. — No entanto, parece que finalmente chegou o momento... — Ergueu o seu rosto, tentando transparecer confiança para ela mesma. — É agora ou nunca, Leonor.

Fechou os olhos e respirou fundo. De seguida, caminhou em direção à sua cama. Lá, tinha uma pequena mala de mão aberta. As mãos da fadista começaram a remexer os objetos guardados nela, enquanto ditava na sua mente a pequena lista que havia feito poucas horas antes: Uma muda de roupa, documentos e...

A ponta dos seus dedos deslizavam em algo em particular, um livro. Letras belas e elegantes estavam gravadas na capa dura: "Guerra e Paz". Um leve sorriso desenhou-se nos seus lábios, mas, logo desvaneceu. Fechou a mala e pegou-a de uma forma firme com a sua mão direita, começando a caminhar em direção à saída. Antes de pisar o soalho de madeira do corredor, olhou uma última vez para trás.

Os seus olhos mostravam mágoa e inquietude. Seria a última vez que estaria naquele quarto, onde passou tantas horas da sua vida, sentada naquele parapeito, a ler os seus romances favoritos enquanto deliciava-se com a magnífica paisagem para o Porto. Seria a última vez que estaria naquela casa onde foi tão feliz por tantos anos, durante a sua infância e adolescência. Seria a última vez... Por muitos anos... Que veria o olhar doce de seu pai.

Suspirou fundo. Aproximou-se da vela e apagou a tremelicante chama com o seu suave sopro. De seguida, saiu, sem olhar para trás. Caminhou pelo soalho de madeira do corredor até chegar à escadaria. Silenciosamente, desceu os degraus, enquanto gravava na sua cada pormenor do seu lar. A ponta dos seus dedos deslizavam pelas molduras das fotografias penduradas nas paredes, com memórias da sua vida. Objetos vindos dos quatro cantos do mundo decoravam o corredor, trazidos pelas viagens do seu pai.

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