tudo isso faz um cansaço

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N/A: Essa história foi um desabafo depois de me passar pelos olhos mais uma (mais uma!) das tantas correntes de ódio que circulam contra os caras do BTS nas nossas nem tão amadas redes sociais.

Teremos alguns temas sérios aqui. Falarei sobre perseguição de ssassengs, de adoração doentia, sobre não ter paz de espírito. É levemente baseada nos episódios de perseguição que aconteciam com o BTS nos aeroportos.

Capítulo 1 - tudo isso faz um cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

O que há em mim, Álvaro de Campos

JUNHO 2021...

O que me acordou naquela madrugada foi a secura de minha boca. Era aquela hora entre a madrugada e a manhã, entre acordar logo e dormir mais trinta minutos. Como sempre, eu optaria por acordar logo, mas meus olhos prenderam-se por minutos na tua imagem descansando.

Você, finalmente, descansando. Não havia nenhum vinco de preocupação cortando tua testa bonita. As pequenas ruguinhas dos teus olhos, que eu só via por que estava muito perto, jamais seriam suficientes para tirar tua beleza, mas as olheiras que há algum tempo te acompanhavam te faziam parecer abatido. Não estavam mais lá, havia sumido.

Já eu, Taehyung, você sabe que eu continuo um pouco cansada. Este é um cansaço que eu nunca senti, nem mesmo quando dava conta da faculdade, de um estágio, de uma casa que eu não tinha por que vivia viajando e de cobranças de pessoas que não gostavam de mim.

Tirei seus cabelos escuros da testa, só para poder ver melhor seus olhos fechados e você suspirou sem acordar. Aquela era a minha deixa e me levantei, deixando para trás meu lado bagunçado na cama e pensando o que eu faria para o nosso café da manhã.

Era o nosso primeiro ano como oficialmente casados.

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HÁ SEIS ANOS...

O direito de não ser perseguido.

É uma coisa tão óbvia, não é? De fato. Tão óbvio que não estava escrito em lugar nenhum. Não havia uma lei que dissesse que você não podia perseguir alguém.

Porém, vários empresários dessa gente rica e famosa chegava na minha sala, contando que seus clientes estavam sendo perseguidos, que apareciam fotos íntimas e não íntimas em sites duvidosos e que todo mês eles tinham que comprar um novo chip de telefone por que o número pessoal vazava e a pessoa precisava de uma terapia: não havia um minuto de paz.

Eu fazia uma verdadeira artimanha jurídica criativa, juntava pedaços de legislações aqui e acolá, fazia analogias e juntava provas. No início, eu falhava. Fiquei tão indignada que comecei, eu mesma, a ir lá na câmara, eu precisava de uma lei que dissesse, com todas as letras e sem entrelinhas, que aquilo era crime e não entretenimento. Que o trabalho do artista, o entretenimento que ele te proporciona é quando ele está na TV, no rádio, no youtube, no show. Quando termina o expediente, ele tem o direito de ir pra casa, de descansar e ficar em paz. Ele tem o direito de cometer um erro e ser julgado não pelo tribunal miserável da internet, ou, pior, pelos seus fãs e odiadores, mas sim por um juiz justo e conhecedor do caso.

Depois de ouvir bastante sobre a irrelevância do meu trabalho frente todos os problemas que o Brasil tinha, eu já vencia todos os casos. Inicialmente, dava palestras em algumas faculdades de direito pelo Brasil. Me lembro da primeira vez que apareci na TV para falar sobre o assunto. Lembro de um workshop que foi traduzido para espanhol. Queriam que eu fosse para a Espanha repetir o workshop, mas eu não sabia falar nenhuma língua estrangeira.

Eu aprendi inglês. As pessoas no mundo inteiro, aquelas ricas e famosas, queriam, com um certo desespero, saber como eu estava fazendo aquilo. Eu sempre explicava. A lei surge da indignação. Acontecia um caso muito absurdo e as pessoas percebiam que o fanatismo fazia realmente mal, que não destruía só aquele artista que aparecia na TV ou na Internet: toda a rede de empregos e a grana ao redor dele ficava prejudicada. Da lei passávamos a ver que provas poderiam ser consideradas cabais.

E pronto.

Eu estava bem feliz com o trabalho, não por que gostava de trabalhar com artistas, mas por que é bom você se propor a fazer uma coisa e realmente fazê-la.

Estava em Toronto quando recebi aquele e-mail. Estava em inglês, mas era de uma empresa coreana. Eu pesquisei o código de pessoa jurídica e vi que aquela empresa existia mesmo. Hybe Entreteniment. Porém, era confuso por que eu não consegui identificar se era a empresa em si que queria os meus serviços ou se era um artista específico. Quer dizer, toda a parte gráfica do e-mail estava com a identificação da empresa, mas aquele e-mail parecia ter sido escrito não pelo setor de advogacia da Hybe, mas sim por uma pessoa.

Uma pessoa chateada e cansada.

Eu ri um pouco quando vi o salário. Eu já tinha visto aquela quantidade de dinheiro. Era o que eu ganhava depois de três meses trabalhando 5 dias por semana colada no notebook, de oito às oito, tirando o sábado para palestrar em alguma universidade e o domingo para aparecer em algum programa de TV. Sem descanso, com uma mala em cima da cabeça pelas viagens que eu tinha que fazer e sem noção alguma de quando teria tempo para me livrar dos saltos apertados que machucavam meus pés.

Era aquela quantidade de dinheiro, com a diferença que eu estaria num lugar fixo (o que mais me atraia naquela proposta) e a ideia de finalmente ter uma casa me deixava descrente e empolgada ao mesmo tempo.

Tudo o que eu teria que fazer era lidar com assédio dos fãs. O e-mail contava brevemente todas as situações que eu já tinha ouvido várias vezes: perseguições em aeroportos, invasão de celular, roubo de fotos e conversas pessoais, ameaças que chegavam em endereços pessoais que em tese ninguém conhecia e bastante discurso de ódio na internet, como é comum nesta era tão imersa em redes sociais que estávamos.

O nome da pessoa chateada, que depois descobri ser um homem, era Kim Taehyung, integrante de um grupo de idols sul-coreano chamado BTS.

Guiei o mouse até que estava clicando no botão apropriado do e-mail para respondê-lo.

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Obrigada por chegar até aqui. Não, eu não fiz isso agora, já estava escrito há um bom tempo até que decidi que era uma boa hora para publicar. Essa história tem um pequeno, um mínimo fundo de verdade: alguém se lembra da tal Lei Carolina Dieckmann? Então, apenas em 2012 tivemos alguma legislação para os tais "crimes informáticos". É um absurdo que só em 2012 isso tenha acontecido, mas eu sou do time antes tarde do que nunca.

Nem consigo imaginar o quanto isso deve ser cansativo para os artistas. Eu fico cansada só de ver a corrente de ódio meio inquebrável rodando pelas redes sociais...

Por fim, gosto muito dessa ideia de megera por que penso que é assim que será tratada qualquer pessoa que os tocar. Vejo muito gente dizendo que ama o idol tal mas o ama desde que ele esteja sozinho, no alto de um pedestal. Qualquer coisa mais humana dele, um relacionamento, por exemplo, seria terrível e eu às vezes fico imaginando o tanto de coragem que essa figura masculina ou feminina da "megera" deve ter para estar com ele ou, pior, assumir um relacionamento com ele.

Enfim, já estou desabafando demais. Um beijo & me contem o que acharam!

A Megera Cansada [Imagine V]Onde histórias criam vida. Descubra agora