Capítulo 6

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Rafe estava inclinado sobre o balcão quando me aproximei. As luzes néon que constituíam a decoração em volta do armário de bebidas atrás do barman que se esforçava para ouvir os pedidos que lhe eram atirados no ar quase me cegaram.  O barulho era ensurdecedor e o fedor de suor, desodorante e sabe-se lá o que mais me desorientou. Entretanto, naquele momento, aquele era o melhor lugar do mundo.

Não existia Hannah, não existia Hazel, não existia um resultado de DNA que fora aberto sem mim e não existia o dr. Khalil All-Kudsu Mohamed Thompson. Apenas Khalil, a pessoa que sempre estava disposta a ajudar e entender os outros, mas que nunca encontrava uma consideração minimamente similar a que ele tivera.

Se uma ponte caísse e as pessoas precisassem atravessar em um barco, este barco seria eu. Já ouvi aquela metáfora em algum lugar que não me lembrava, mas tinha certeza de que se encaixava em minha atual situação perfeitamente. Geralmente as pessoas usavam os barcos em um momento de ascensão — algo passageiro —, os abandonando à margem d'água quando não precisavam mais fazer a travessia. Os barcos eram inúteis para qualquer coisa além daquilo pelo qual foram criados para fazer.

Assim como eu. Fui enganado por Hannah durante meses enquanto a levava para as docas, para sua futura família não-tradicional que não me envolvia; então tudo estava se repetindo de novo — não que eu esperasse que algo fosse acontecer entre Hazel e eu, longe disso, na verdade. Eu estava ajudando Hazel a passar por um momento difícil, a ajudando a se encontrar enquanto a transportava para a segurança da terra firme onde também iria embora. Eu tinha saído da minha rotina e posto minha carreira em risco, a carreira que parecia ser a única coisa estável em toda minha vida; tinha me ocupado me desdobrando para descobrir onde a filha de Hazel estava para sequer ter a chance de estar ao seu lado para ler o resultado da comparação do grau de parentesco — por isso eu estava chateado, por não ter sido convocado para a leitura do resultado quando tinha tido tanto trabalho para trazer um sorriso ao rosto de Hazel.

No fundo eu sabia que isso iria acontecer. Quer dizer, assinamos um contrato onde eu me responsabilizava pelas necessidades materiais e tudo o mais que ela fosse precisar no período de seis meses, até que ela conseguisse se apoiar sobre os próprios pés para reconstruir sua vida. Era óbvio que ela iria embora, que não ficaria mesmo que criássemos um laço de amizade. Ninguém nunca ficava.

Bem, ninguém exceto Rafe. Ele era maluco o suficiente para enfrentar as consequências de ficar ao meu lado.

Rafe era a melhor pessoa que eu já conhecera em toda minha vida.

— Você tá com uma cara péssima — disse ele, chupando um limão.

— Ótima observação — zombei. Levantando a mão para o barman, eu o pedi um whisky com uma pedra de gelo. — Seu supervisor sabe que está bebendo em plena terça-feira à noite, a apenas seis horas do seu próximo plantão de 24 horas?

Soprando uma risada nasalada, ele virou todo o conteúdo âmbar de seu copo, depositando-o sobre o balcão novamente.

— Por sorte meu supervisor está prestes a beber comigo. E em meia hora nenhum de nós dois estará bem o suficiente para escrever um relatório de queixa.

O barman surgiu com minha bebida e eu escorreguei uma nota de vinte dólares sobre o balcão.

— O que houve para me ligar em plena terça-feira?

— A criança encontrada na caçamba de lixo é filha biológica de Hazel.

— Tá, mas isso é bom, né?

Bebi um longo gole antes de lhe responder.

— Sim.

— E por que está com essa cara de que comeu a bunda do Tobey Maguire e não gostou?

The Obstetrician _ Livro 3 [EM ANDAMENTO]Onde histórias criam vida. Descubra agora