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Hoje se completa dois dias que Paula se foi. Bianca disse que iria chegar hoje, então me desloco para o aeroporto, a esperando. O aeroporto mais perto de minha casa fica a vinte e cinco minutos de estrada, já o de Bianca fica a duas horas. Perdemos o contato assim que ela entrou no aeroporto, mas já tínhamos nos programado para o reencontro.

Sento-me em uma das cadeiras que dão de frente para o corredor onde ela sairia e a espero, com fé que ela não demorará muito mais que meia hora.

Uma voz que eu conheço desde o útero de minha mãe ecoa pelo aeroporto chamando meu nome, fico paralisado quando a vejo vindo em meu encontro, foram quinze malditos anos longe. Estamos com trinta e poucos, não a via desde adolescente e o máximo que ainda conhecíamos era via chamada de vídeo. Bianca está linda, seu cabelo moreno bate em sua nuca, sem encostar ao ombro, seus olhos castanhos e pequenos brilham de acordo com sua boca sorrindo ao me ver, não consigo conter as lágrimas ao ver seu irmão gêmeo em sua feição. Se ele estivesse vivo, estaria parecendo como ela?

Meus pais tiveram, ao total, cinco filhos: Duas mulheres e três homens. Rafael veio primeiro, os gêmeos Bianca e Natan vieram logo em seguida, depois foi a vez de Rebecca e por último eu. Sobre aparência, sempre fomos diferentes um do outro, eu tenho a pele escura, olhos castanhos e meus cabelos são longos e tenho uma barba rala que nunca tiro. Rebecca é a mais bonita de nós, seus olhos são grandes e azuis, sua boca é fina e seu cabelo é longo e bagunçado, os gêmeos são idênticos, olhos pequenos, pele amarelada, cabelo liso e queixo pontudo, se estiverem de cabelos iguais perto de mim, creio que não conseguirei distinguir corretamente. Por último, temos Rafael, o mais velho. Quando eu nasci, ele estava em seu processo de transição, então não me recordo de sua parte biológica, a que dizem ser o lado feminino dele e o que eu não concordo, pois Rafael sempre foi Rafael. Seu cabelo tem cor de fogo e, de propósito, ele penteava para cima, para ser idêntico a um fogo mesmo, seus olhos são iguais ao de Rebecca, seu queixo é pontiagudo e sua pele é cheia de sardas. Me lembro, bem vagamente, dele me dizendo como foi sua transição. Disse que não se sentia confortável sendo quem era e que ser chamado pelo feminino era quase um pesadelo, porém agora ele estava realmente feliz e não se arrependeu de nada.

Sinto saudades de todos, mas principalmente de Rafael e Natan, os que foram assassinados pelo meu próprio pai.

- Meu Deus você está gigante! - Bianca exclama e seus olhos se enchem de água. - Como você cresceu tanto assim? Você é o mais novo - ela diz e eu começo a me sentir envergonhado. Nos abraçamos e eu a levo até a minha casa.

No caminho, colocamos vários assuntos em questão, como por exemplo a vida dela como professora em Minas Gerais e a minha faculdade de História. Por duas vezes ela pediu para eu explicá-la o que estava acontecendo, mas deixei para falar sobre isso quando chegarmos em casa.

Ela nunca veio me visitar, assim como eu nunca a visitei e assim como ambos não visitamos Rebecca. Isso se deve ao fato de termos medo.

Quando derrotamos nosso pai, o universo começou a pregar peças em nós. Toda vez que saíamos de casa algo ruim acontecia. Somos filhos do deus Sol, e por ele ter virado um demônio, automaticamente todos nós éramos vistos da mesma forma. Em resumo, fomos amaldiçoados. Enquanto juntos, não teremos paz. Este é o real motivo para que tenhamos tanto medo de nos encontrarmos.

Mas agora é diferente, agora nós precisamos estar juntos.

Quando abro a porta de casa, me deparo com algumas coisas fora do lugar, me arrasto até a sala com os dedos de Bianca entrelaçados nos meus e me assusto com um grito ensurdecedor de minha irmã.

- Você me disse que ela não estaria aqui! - Bianca grita e só então percebo o motivo: Rebecca está sentada em meu sofá, com um pacote de biscoitos recheados na mão. Ela ri alto quando Bianca se incomoda.

- Eu não sabia que ela iria vir, ela não me avisou - me viro para Rebecca. - O que você está fazendo aqui?

- São Paulo é muito mais longe que Minas Gerais, a pergunta é por que eu cheguei mais cedo que ela.

- Não - exclamo. - Você foi extremamente grossa comigo no telefone, me diga por que decidiu vir.

Rebecca se levanta e joga o pacote de biscoitos no sofá.

- Eu senti o mesmo que você está sentindo, quando o nosso pai matou meu primeiro namorado.

- Cem por cento culpa sua - Bianca diz, andando na direção de Rebecca. - Se você não abrisse as suas pernas para qualquer um que aparece na sua frente...

- Claro que é culpa minha, dediquei minha vida inteira para ver nossos dois irmãos mortos e nosso pai sendo odiado por todo o resto da família! - Rebecca grita em resposta, com um tom de deboche.

- Não coloca meus irmãos no meio.

- Você fala como se eu não pertencesse à família.

- Quem me dera.

- JÁ CHEGA! - eu grito e entro no meio das duas. - Odeio que briguem em minha casa, eu as chamei para resolver algo sério, não para ficar com discussões bestas da quinta série.

As duas cruzam os braços em sincronia.

- Ou vocês me ajudam, ou saiam.

- Você me ajudou da última vez - Rebecca diz, calma. - Então me sinto na obrigação de te ajudar agora.

- Eu também ficarei - Bianca diz. - Mas não encha meu saco.

Eu agradeço as duas e ligo para uma pizzaria. Eu havia planejado sushi, mas como Rebecca também veio então precisaríamos de algo maior.

Filhos do SolOnde histórias criam vida. Descubra agora