Capítulo 6

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Capítulo 6

Logo bem cedo, sem me importar com o dia, um domingo, sem me preocupar com o mau humor que Raquel ficava ao ter que levantar mais cedo no único dia de descanso, comecei a ligar para o celular dela. E óbvio, ela não me atendeu. Tentei então o telefone do Hugo, que também chamava até a ligação cair. 

Eu tinha contas a acertar com a minha amiga, mas fui distraída por minha mãe, sussurrando ao interfone: 

— Filha, tá sozinha?

Apertei o botão, liberando sua entrada, sem responder sua pergunta, e o que ela viu parada na porta à sua espera foi uma Isabel com o semblante contrariado, vestindo um roupão. 

— Você sabia que o tal do Gael é um menino que acabou de fazer 27 anos? Um garoto que nem carteira de motorista deve ter! — Fui resmungando, enquanto me encaminhava para a cozinha. Como a minha mãe não respondeu, me virei, já com as narinas abertas, com o meu olhar fuzilante: — Você sabia! — afirmei.

Ela deu um sorrisinho sem graça. 

— Ah, Bel, os pais dele estão morando na vila... Você acha mesmo que eu não o teria visto? — respondeu, com naturalidade.

— Mãe! — exclamei, contrariada.

— Isabel — respondeu, enfática e com aquele olhar de me respeite porque sou sua mãe. — O que que tem você se divertir um pouco? O menino é tão lindo! — derreteu-se.

— Um menino. É isso! — respondi, aborrecida.

— Você se divertiu? — perguntou, sorrindo animada e arregalando os olhos, à espera de uma confissão, no mínimo, divertida.

Sentei junto à bancada. 

— Sim, me diverti. — Deixei o semblante cair. — Foi uma noite legal — resumi, a encarando. — Mas não aconteceu nada! — exclamei, com veemência. — Comemos pizza, tomamos vinho, conheci o lugar onde ele vai abrir o bar e depois voltei para casa. Só isso.

— Bel — minha mãe amoleceu a voz —, ele não é um bebê... Não digo que era obrigação passar do que vocês fizeram, mas, me desculpe, minha filha, a gente, eu e a Raquel pensamos que seria divertido te ver se divertir!

Nem me dei ao trabalho de argumentar, apenas revirei os olhos e balancei a cabeça, deixando claro que não estenderia o assunto sobre meu segundo encontro frustrado em menos de um mês. Minha mãe tinha ido à minha casa também para me dizer que o almoço daquele domingo não seria como os nossos de costume — ou almoçávamos na casa dos pais do Maurício ou os levávamos conosco a algum restaurante —, dessa vez eles se juntariam ao pessoal da vila, num almoço do lado de fora das casas, numa espécie de boas-vindas à família do Gael. Todos os moradores da pequena ruela tinham suas famílias vivendo lá há gerações, as mais recentes moradoras foram minha mãe e eu e isso aconteceu há mais de vinte anos, e eu me lembro bem de que nos recepcionaram da mesma maneira quando nos mudamos. Todas as festas que acontecem por lá funcionam mais ou menos assim: há um pequeno depósito no final da vila onde, além de ferramentas e materiais necessários à manutenção do lugar, há mesas, cadeiras, copos, talheres, toalhas para esses eventos, assim, cada morador fica responsável por um tipo de comida e por sua cota de bebidas ou um dos moradores recolhe dinheiro do restante e compra tudo sozinho, depois divide as tarefas. Muitos aniversários, todos os natais e algumas festas de final de ano são realizadas lá, inclusive, pré-carnavais.  Quem consegue a sorte  — como Gael e eu — de entrarmos para os seletos moradores da vila, ganha vizinhos e uma família a mais, com todos os bônus e também alguns ônus, do tipo: muita, muita gente mesmo, acompanhando de perto sua história, digo ônus, porque nem tudo a gente gosta de compartilhar aos montes... Por exemplo, minha vida amorosa era tema constante de diversos debates.

De Cor e SalteadoOnde histórias criam vida. Descubra agora