capitulo 20

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Ruggero

Minha mente simplesmente não consegue desligar do fato de que Lionel  pode
estar, nesse momento, na casa da megera, consolando-a. Mas está tudo bem, tenho
confiança, fiz o serviço direito sete anos atrás, não é todo homem que consegue
essa proeza, de estragar uma mulher para qualquer outro que vier. Sei que mesmo
se ele quiser, ela não fará nada.
“Ruggero... é tão... gostoso” — ela clamou nos meus braços, quando
estávamos deitados, pelados, na minha cama. Na nossa primeira vez, na primeira
vez dela. Ainda varrendo minha sala, deixo essa lembrança rodar tranquilamente.
Não demoramos muito para irmos pra cama. No nosso caso foi atração à primeira
vista. No dia em que o pessoal me chamou, dizendo que ela me conhecia e eu a vi
desmaiada no quartinho dos fundos no Búfalo, eu já a queria no mesmo instante.
Sem nem saber quem era. E para quem acha que a maneira que ela se portava,
toda fresca, me afugentou ou causou repúdio, devo dizer que foi totalmente o
contrário. Quanto mais ela era mimada, mais eu ficava atraído.
Eu fui carinhoso naquele dia, na nossa primeira vez na cama, coisa que não
serei mais. Eu fui bem devagar, ela era virgem e eu nunca tinha comido uma
virgem. E foi muito delicioso. Me senti indo aos poucos, abrindo-a, ela se
agarrando forte ao meu corpo, gemendo de mansinho e, naquele momento, eu a
fazendo minha, uma mulher, não mais uma garota mimada. Era minha mulher.
Ela me teve em suas mãos e não deu valor. Mas o mundo dá voltas. Hoje ela
está em minhas mãos e em hipótese alguma vou aliviar.
“Supercalifragilisticexpialidoce.” — Foi o que ela disse quando gozamos
e estávamos ofegando agarrados.
E eu disse: “Oi?”
Ela sorriu, acariciou meu rosto e tornou a dizer:
“Supercalifragilistcexpialidoce.”
Eu ri, beijei-a e indaguei: “Que diabo é isso?”
“É a palavra difícil do filme Mary Poppins. Serve para nomear algo tão
bom que não há palavras para descrever.”
Eu sorri. Entendi o que ela quis dizer. Tinha gostado tanto que não havia
palavras para descrever. Foi a coisa mais estranha e a bonita que alguém tinha me
falando depois do sexo.
Espera, querida. Estou chegando para tirar a sua virgindade de novo. Pois
ficar sete anos sem trepar, é quase voltar a ser virgem. Dou uma mega risada do
meu pensamento. A ideia que eu e Magno tivemos é sensacional. Quero ver
Karol  ao menos pensar em outro cara quando Ruggero, o pau de mel, chegar
como o salvador da pátria. E dessa vez, cuidarei para que eu não tenha emoções
indesejadas, como as que tive hoje mais cedo.

Karol


— Vai me dizer o que estava fazendo lá? — Lionel  pergunta. Ele esperou que
eu me acalmasse, não disse uma palavra enquanto dirigia cortando a cidade para
me levar ao meu apartamento. Olho para ele. Já estou bem, sem lágrimas ou
vontade de morrer. Claro que por dentro ainda estou devastada. Nada muda o fato
de que aquele homem me comprou. Nada muda o fato de que eu fui humilhada e
causei um vexame no salão, diante de grandes nomes do país. Ao menos fico
tranquila ao saber que são proibidas filmagens ou fotos durante o leilão e que
nada daquilo será compartilhado com o mundo.
— Nem sabia que você era membro daquele lugar. — Eu falo e ele dá de
ombros. Sem desviar os olhos da direção.
— Fui convidado pelo Magno, lá só entra através de convite. A questão é
você, karol .
Penso em uma rápida mentira. Não quero contar a ele nada sobre o novo
chefe, muito menos minhas suspeitas, que envolvem meu tio, pai de Beth. Não
quero o Lionel  se intrometendo ou indo falar com meu pai.
— Dívidas. Disseram que era um bom negócio. Para se leiloar não precisa
receber convite.
— Sério? Onde está com a cabeça?
— Eu só não pensei...
— Se leiloou por causa da empresa? Você ainda está lá? Fiquei sabendo que
foi vendida.
Pronta, com uma máscara disfarçando meus sentimentos, levanto os olhos
para ele.
— Sim, continuo como diretora. Meu pai saiu.
— Quem está no comando agora? — É... o banco AMB. — minto. Não sei nem explicar para ele que estou
seguindo ordens do homem invisível. Ou mulher, sei lá.
— Ah, bom. Sei quem são. — Ele me olha e semicerra os olhos, intrigado.
— Mas isso está errado. Não vi nenhum dos caras do AMB lá no leilão. Eles que
deveriam tomar a frente, são os donos agora. Quer que eu fale com o Enzo Brant?
— Não. — Dou um grito esganiçado.
— Ok. Isso foi uma péssima ideia. Miguel sabe disso?
— Papai sabe mais ou menos, por alto. Posso te pedir para não comentar
nada com ele?
— Sobre o que você passou hoje?
— É. Sobre aquele vexame. Ainda estou em pânico.
— Fique tranquila, amanhã mesmo vou conversar com Magno, pedir o
contato daquele velho e falar pessoalmente com ele. Ver se ele abre mão dos
lances.
— Fará isso por mim? — Sinto meus olhos iluminarem, tamanha minha
expectativa e euforia.
— Sim. Farei. Foi terrível te ver daquela forma.
— Foi horrível para mim. — Pensativa, olho, encosto a cabeça no banco.
Relembrando cada detalhe agonizante de tudo que passei hoje. Nos calamos, até
ele encostar o carro no meu prédio. Descemos e sem contestar, eu deixo que ele
me guie para dentro do prédio. Lionel  tira seu terno, coloca sob meus ombros e me
abraça. Entramos no elevador, continuamos abraçados até chegar à minha porta e
eu retirar a chave para abrir. Ele entra comigo, espero ele passar e fecho a porta.
— Fique à vontade. — Eu digo, corro, tiro umas coisas de cima do sofá e
ele não senta, continua me olhando, sério, com as mãos nos bolsos da calça.
— E sobre o Ruggero ?
Fico petrificada ao ouvir o nome.
— O que tem ele?
— Estava lá e não fez nada. O tempo todo, não fez nada. — Ele gesticula, um
pouco revoltado.
Solto o ar dos pulmões e abaixo a cabeça. Nem queria me lembrar disso.
Para mim foi mais humilhação ainda, apesar que vi, claramente, ele se levantando
para tomar alguma providência. Vi a tensão nos olhos dele.
— Não o culpo, Lionel . A gente não se vê há anos e eu fiz coisas ruins para
ele.
— Mesmo assim. Caramba! Ele ficou lá, poderia ter feito alguma coisa.
— O que ele poderia fazer? Dar um lance por mim? A mulher que acabou
com a carreira dele?
— Ainda o defende?
— Não vejo culpa no Ruggero. Ele apenas estava lá, vendo tudo acontecer. A
gente nem trocou um oi desde que tudo acabou.
Ele fica calado me olhando e depois cede anuindo.
— É. Você tem razão. Ele devia estar mesmo de mãos atadas, sem saber o
que fazer.
Sento-me no sofá, ainda me sentindo trêmula por causa dos acontecimentos.
— Quer um chá? Posso fazer. — Lionel  oferece.
— Estou bem. Só preciso me acalmar. — digo e abaixo bem a cabeça, quase
colocando-a entre minhas pernas.
— Fique aí. — Ele fala, se afasta e vai para a cozinha. Volta pouco depois
com um copo de água e me entrega.
— Tem uma colher de açúcar, vai te deixar calma.
— Obrigada. — recebo o copo, só por educação. Deus me livre de tomar
água com açúcar. Ele senta ao meu lado.
— O término de vocês foi bem complicado, hein? O que foi tudo aquilo?
Olho para o copo de água, vendo ali cada estágio do meu relacionamento
passado, com Ruggero, e como tudo começou a desandar. Éramos perfeitos juntos.
— Falta de diálogo. — Bebo um gole da água. Está gelada e um pouco doce.
Refrescante. Respiro fundo e tento não recordar muito de tudo que houve. — Falta
de diálogo e mal entendido.
— Quer me contar ou você não gosta....
— Conto. Beth, lembra-se dela? Minha prima?
— Sim.
— Ela escutou meu pai conversar com  Ruggero e achou que eles planejavam
um acordo para unir as empresas e para isso Ruggero casaria comigo, só como
uma barganha.
— E você acreditou...
— Na verdade, ela me mostrou um pedaço da conversa gravada. Eu não
pensei na hora, você viu, entrei e acabei com o casamento.
— E depois você descobriu a verdade?
— Uma semana depois. Eu fiz a maior baixaria na mídia, acabei com o
Ruggero e fui para Londres, fiquei lá até meu pai me encontrar e contar toda a
verdade. Eu nem mesmo estava querendo falar com meu pai, não atendia as
ligações dele...
— Qual era a verdade?
Dou uma risada sofrida e tento não cair em um choro profundo.
— Essa culpa me acompanha todos os dias e ainda vai acompanhar. Toda
vez que me recordo das palavras do meu pai, me explicando... eu me sinto tão
horrível. — Limpo uma lágrima e não consigo falar com Lionel . Ele assente, me
puxa e me abraça. Eu colo o rosto no peito dele.
— Foi difícil para ele também. — Lionel  constata e eu sinto mais ainda a dor
da injustiça que fiz contra o único homem que amei. Amava tanto o Ruggero que
não conseguia mais me imaginar longe dele.
Engulo o choro e murmuro:
— Era nossa casa. Meu pai e o pai dele tinham comprado a casa dos sonhos,
mobiliado toda, sem eu ver, e aí Ruggero descobriu e meu pai estava tentando
fazê-lo aceitar. A conversa era sobre isso. Ruggero aceitou e disse: “Não conte
ainda para  a kah , ela pode não entender.” Por que ele queria dar a notícia e sabia
como eu queria escolher tudo para a nossa casa.
Lionel  afasta meu rosto e me olha sério.
— Você e ele foram vítimas. E sua prima? O que ela diz? Ela é a grande
culpada disso tudo.
— Ah, ela chorou, implorou meu perdão e disse que não sabia mesmo que
era sobre isso.
— Não sabia mesmo? — Lionel  faz uma cara de chacota misturada com
incredulidade — Como a pessoa ouve uma conversa e não sabe do que se trata?
— Ela é minha única amiga, lio e quase minha irmã. Tento acreditar que
ela agiu na melhor das intenções.
— Bom, isso você decide. Só tente ficar de olhos abertos.
Depois de ser arrematada no leilão, passar por humilhação e ainda lembrar
do meu passado com Ruggero, a última coisa que eu quero é me preocupar com
Beth.
— Quer que eu fique aqui com você?
— Não. Pode ir. Fiz você perder sua noite, não é?
— Que nada. — Ele me abraça de novo e beija minha testa. — Foi ótimo te
reencontrar.
— Não foi a melhor ocasião.
— É, não foi. Vamos marcar um almoço?
Talvez Lionel  tenha chegado no momento certo, para me ajudar a me livrar de
muitas lembranças torturantes as quais minha mente me submete. Afasto-me e dou
um grande sorriso, mirando os olhos dele.
— Claro.
— Amanhã, um jantar quem sabe?
— Prefiro jantar. Devo almoçar com meus pais.
Depois que Lionel  se despediu e foi embora, eu fechei a porta e fiquei longos
minutos recostada só remoendo. Não tenho cabeça para pensar em nada a não ser
minha degradação a cada dia. Muito menos pensar em algo a mais com Lionel , mas
que o reencontro me deixou mexida, isso é certo. Encontrar ele, daquela forma,
sendo minha salvação, foi muito bom. Ele estava no lugar certo, na hora certa.
Depois de um banho, fiz um chá, tomei e tentei me acalmar. Não quero
pensar na hipótese de um possível encontro com aquele homem asqueroso, na
cara de Ruggero me olhando e nem nas expressões de todas aquelas pessoas
enquanto eu gritava e chorava no palco. Que vergonha!
Meu pai me ligou, querendo saber como tinha sido e eu respondi por alto,
dizendo que tinha sido um tédio e que jantarei com o ricaço que me arrematou.
Ele quis saber quem era e me dei conta de que nem eu sabia. Inventei para meu
pai que se tratava de um empresário de Goiânia. Ele acreditou. E desligou, após
me desejar boa noite.
Beth não me respondeu e nem me ligou de volta. Deletei assuntos sobre ela
da minha mente. Não quero pensar em nada. Queria saber por que ela não me
respondeu e nem me retornou. Ela virá com uma boa explicação depois. Mas no
momento, quero apenas deitar no escuro e dormir, a base do calmante que acabei
de engolir.
Acordei às dez da manhã. Nem me importei, era domingo e eu poderia ter
dormido mais duas horas. Coloquei minha máquina de café expresso para
funcionar. Não gosto de café dessas máquinas que precisam colocar cápsulas de
sabores. Mas como Lourdes não vem hoje, é minha única solução. Odeio e nem
sei fazer café convencional.
Sentei-me na sala com uma caneca e fiquei olhando os canais de TV.
Interiormente com medo de ver algo sobre minha noite desastrosa de sábado. Por
sorte, não passou nada sobre mim. Peguei o celular e mandei outra mensagem
para Beth. Deixei o celular na sala e fui me vestir para ir para a casa dos meus
pais. Estava só de calcinha e sutiã no meu quarto, passando uma leve maquiagem,
quando o celular tocou na sala.
— Beth. — exclamei e sai correndo para atender.
Pego o aparelho, mas não é Beth na tela. É um número desconhecido. Toco
para atender.
— Oi.
— Karol ?
A voz quase me derruba no chão. Minhas pupilas dilataram, sei disso.
— Sim...
— Aqui é o Ruggero. Precisamos conversar, pode almoçar comigo?
Deixei meu corpo cair no sofá e fiquei inerte, com o celular no ouvido. Sem
fala. De olhos arregalados, tentando raciocinar.

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