Capítulo 13| Recomeçar

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Leia ouvindo| Bilhetes — Tiago Iorc


Otto Alencar

Chega um certo momento de nossas vidas onde precisamos recomeçar, onde precisemos de um recomeço. Mas recomeçar o que exatamente? Uma nova fase de um jogo? Uma nova leitura? Ou recomeçar uma nova fase da vida?

A complexidade de nossas vidas acaba tornando viver difícil, quase nunca entendemos o seu ritmo e o seu caminhar. Claro a dificuldade de entender a vida vai de pessoa para pessoa, agradeça quem tem esse privilégio pois eu mesmo não tenho.

Aguardo o professor no estacionamento para podermos conversar com calma sem interrupções, então o esperei chegar para podermos ir à sua casa conversar. Eu não sei se fiz bem em aceitar ir para sua casa, mas quando estamos com algo preso em nossa garganta, qualquer pessoa que possamos conversar já é bem vinda.

— Desculpa se eu demorei, estava conversando com alguns professores sobre um aluno. Vamos? — Chama Leonam destravando seu carro.

— Sem problemas. Não fiquei esperando muito. — Falo enquanto coloco o sinto de segurança.

— Você prefere esperar chegar lá em casa ou não tem problema começar a conversar enquanto vamos? — Questiona Leonam enquanto dava partida no carro.

Eu não prestei muita atenção no que o mesmo disse, não por falta de interesse, mas, porque eu me perdi um pouco no espaço-tempo.

— Vamos Otto, como está se sentindo agora? — Leonam segurou meu braço chamando minha atenção me tirando daquele momento inerte. 

— Eu acho que eu me perdi. — Sussurro.

— Se perdeu? Como assim? — Me olha interrogativo.

— Eu estou totalmente perdido sabe? Não sei mais o que fazer, para onde eu ir ou como ir. Sinto como se minha bússola interior tivesse se quebrado e não consegue mais apontar para um norte, ela fica apenas girando, girando, girando sem conseguir encontrar o ponto certo. — Falo começando a sentir algo preso em minha garganta. Algo parecido como amargura.

— Estou começando a entender eu acho, mas me diga Otto, o que te levou a se perder? A se perder de si?

— Eu não sei bem exatamente onde eu comecei a me perder, pode ter sido em qualquer fase da minha vida que eu tenha deixado passar despercebido, ou meu cérebro cuidou para que eu não lembrasse. Dizem que quanto sofremos muito, o cérebro entra em colapso e acaba apagando algumas coisas causadoras do mal. — Respiro lentamente sentindo meus músculos se contraírem.

— Se esforce um pouquinho pequeno garoto, lembre-se que estou aqui como seu amigo e não como professor ou educador, meu trabalho não envolve em mais nada aqui, seja sincero e diga o que está te perturbando.

O início da conversa foi tão longa que eu nem percebi que estávamos em sua casa, saio de seu carro o seguindo para dentro, dando de cara com um lindo jardim. Fico encarando aquelas rosas amarelas plantadas ao lado de uma linda escultura de um lobo, agora eu estava mais calmo diferente de algumas horas atrás onde eu fui encontrado aos prantos pelo professor.


Horas atrás

— Otto, abra a porta vamos conversar, o que está acontecendo com você? Por que está chorando?

— Por favor apenas me deixe aqui e vai embora, eu só preciso ficar um pouco sozinho, eu estou bem. — Minha voz falha.

— Não irei te deixar aqui sozinho nesse banheiro. Saia ou eu ficarei aqui o que me levará a ter problemas com o diretor. Você vai querer que o diretor me de uma advertência Otto?

— Não estou pedindo para você ficar aqui, você está aqui por você, em nenhum momento eu pedi sua ajuda.

— Tudo bem Otto, eu só queria ajudar, me desculpe por me importar com você.

Otto Alencar

— Tudo começou quando meu pai saiu de casa, bem eu acho que foi aqui que tudo começou. Eu estava tomando meu café da manhã, me lembro como se fosse ontem.

— Meu príncipe tenho que te contar uma coisa.

— Pode falar mamãe, o que aconteceu?

— Foi seu papai meu príncipe, eu é ele estávamos  conversando algumas coisas de adulto sabe, olha quero que você saiba que mamãe ama muito você viu meu príncipe, não quero que fique triste pois estou aqui com você tá bem meu principezinho?

— Não me chame de principezinho mamãe, eu já sou um homem, mamãe o que aconteceu?

— Okay meu homenzinho, você ainda é uma criança bobinho. Meu príncipe seu papai teve que ir embora, ele te abandonou meu filho seu pai, ele não te ama.

— Papai foi para aonde mamãe?

— Eu não sei meu filhinho eu não sei, eu não sei para onde seu papai foi meu filhinho.

— Ele vai voltar mamãe?

— Tudo indica que não meu amor.

— E foi nesse exato momento Leonam, nesse exato momento em que eu me perdi de mim, eu cresci odiando uma pessoa que não tinha culpa de minhas frustrações, para mim meu pai estava morto, a sua volta desencadeou muitos sentimentos guardados e eu os deixei sair, eu aproveitei e falei a verdade para minha mãe, eu falei que sou gay para ela.

— Você é gay? — Seu olhar era de surpresa, mas o mesmo  carregava um sorriso fino de canto.

— Por favor vamos pular essa parte, depois desse ponto as coisas começaram a piorar para o meu lado.

— Me desculpe, sei como deve está sendo difícil para você, então era por esse motivo pelo qual você estava chorando naquele banheiro?

— Esse é um dos meus motivos, eu fiquei em um beco sem saída em minha própria rua, eu não quero voltar para minha casa, se é que aquilo pode ser chamado de casa. Eu não me sinto bem ali, não mais, e sinto que meus monstros que estão mexendo com minha cabeça podem piorar mais ainda minha situação.

— Eu sei muito bem o que você está passando, eu não tive um bom desenvolvimento com minha família depois que eu me assumi, as coisas ficaram feias para o meu lado, eu queria muito te ajudar a fazer toda essa dor passar mas nada que eu diga ajudaria. Se o problema for morada você pode ficar um tempo na minha casa, tem um espaço sobrando, não vejo problemas.

— Então você também é gay? — Pergunto surpreso.

— Não estava obvio garoto? — Leonam gargalha.

— Eu sou um pouco perdido para entender as coisas, mas Leonam me desculpe, não sendo ignorante ou algo do tipo mas eu não posso aceitar morar com você, você é meu professor e eu não quero lhe encher com meus problemas.

— Tudo bem Otto, você não seria um problema aqui em casa, a escolha é sua okay? Mas você disse que seu pai não estava na cidade? Por que não fala com ele e tenta algo? Isso poderia ajudar vocês a reatarem esse laço.

— Talvez eu possa tentar falar com ele. — Sussurro olhando para o céu azul.
O silêncio se instalou naquele local, meus sentimentos eram tantos que eu não pude distinguir qual estava causando aquela reação. Sinto um braço dando volta no meu pescoço e me deixo entregue à aquele abraço.

— Por que está fazendo isso por mim? O que você ganhará com isso? — Pergunto respirando fundo para poder sentir um pouco do aroma das rosas, o que se misturou com seu perfume amadeirado.

— Eu não ganharei nada com isso Otto Alencar, estou lhe ajudando porquê eu estive nesse seu lado, eu sei a dor que é passar por tudo isso e não ter com quem conversar, não ter um braço para lhe ajudar, eu estou te ajudando pois eu quero ver você bem, porquê eu gosto de você. Estou aqui mais uma vez te ajudando, como no hospital.


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