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Uma lufada de vento fez Jimin estremecer e voltar a realidade. Era inverno, e ele estava só de camiseta. Voltar para casa não podia e nem queria, de maneira que se levantou e começou a andar para se aquecer. Não sabia para onde ir, mesmo assim foi em frente, sempre imerso naqueles pensamentos: o ódio do padrasto e a impotência que sentia por saber que era um fraco.
Caminhou sem rumo por alguns metros e, quando se cansou disso, sentou-se no guard-rail da marginal e ficou por algum tempo olhando os carros que passavam em alta velocidade. Mas como o corpo estivesse gelado, voltou a caminhar, só que em direção a favela. Quando chegou junto às primeiras casas, começou a subir o morro, internando-se pelas vielas entre os barracos. Tiritava de frio, os braços cruzados sobre o peito, procurando inutilmente se aquecer. Ouvindo os ruídos familiares, pensou que bem podia estar sob um cobertor, com um prato de comida no colo, vendo as aventuras de IP Man.
Sempre subindo, chegou ao boteco do Português. Como o Português só fechasse de madrugada, talvez o deixasse ficar por ali. Lá dentro, pelo menos, não fazia tanto frio. Quase não havia ninguém no boteco, a não ser o Fininho, que lhe fez um aceno amistoso. Jimin ficou contente em vê-lo, porque o Fininho era uma das poucas pessoas de quem gostava na favela.
─ Como que vai, pivete?
Jimin deu de ombros. Conhecia o Fininho desde pequeno e gostava dele porque sempre o respeitara, ao contrário dos outros garotos maiores que faziam questão de humilhá-lo. Haviam-se tornado amigos quando o Fininho tinha começado a se interessar pela Hyuna.
─ Legal a maninha, cunhado ─ ele lhe dissera um dia sorrindo.
No começo, não tinha gostado do jeito de ele falar da irmã, mas, depois, viu que o Fininho era boa gente.
─ Bancando a orgulhosa a maninha. Qualé a dela?
─ Não sei ── dizia o Jimin, segurando-se para não rir.
── Fala pra maninha que quero um plá com ela. Você dá o recado, maninho?
Jimin acabou falando para a irmã do interesse de Fininho, e ela tinha dito com desprezo:
─ E eu lá vou querer caso com malaco?
É, talvez, não quisesse mesmo, pensou o Jimin, vendo-a descer a ladeira e entrar numa BMW vermelha, que a esperava. Mas não contou nada ao Fininho. Pelo contrário disse-lhe que a irmã estava pensando no assunto. Bem que a Hyuna podia namorar o Fininho. Assim, lhe pediria que desse uma surra no Tonhão. Mas será que ele podia com o Tonhão, que era gordo e forte? Claro que podia; o Fininho era magro como um palito, mas todo mundo sabia que ele andava com um 38. Inclusive, corria na favela a história de que o Fininho tinha matado pelo menos duas pessoas.
─ Quê que foi, meu, 'tá com febre?
O Fininho, com um copo de cachaça na mão, sorria para ele.
─ 'Tô com frio ─ explicou o Jimin batendo os dentes.
─ Que que 'tá fazendo aí? Vai pra casa. 'Tá na hora de criança ir pra cama.
─ Não posso. O Tonhão quer me pegar.
─ Que que tu aprontou?
─ Nada. O cara tá de fogo.
─ Chega lá e dá um cacete no cara.
Jimin abaixou a cabeça envergonhado. O Fininho passou-lhe a mão pelos cabelos e disse:
─ Tá bom, um dia você vira homem e põe o vagal pra correr.
Em seguida, ele dirigiu-se ao Português:
─ Dá uma pinga pro pivete...
Jimin emborcou o copo e, de imediato, sentiu o calor espalhando-se pelo peito magro.
─ 'Tá melhor, não 'tá?
Os olhos cheios de lágrima e reprimindo uma careta, Jimin balançou a cabeça dizendo que sim.
─ Não tem coisa melhor que pinga pra matar o frio ─ disse o Português.
Jimin não gostava do Português, que vivia de olho na irmã.
─ Fala pra Hyuna passar aqui que dou um chiclete pra ela ─ ele lhe dissera um dia.
Deixasse a Hyuna saber que o Português queria lhe dar chiclete...
─ Quer um pão com lingüiça? ─ perguntou o Fininho.
─ Obrigado, já comi ─ respondeu o Jimin, olhando com vontade para o lado das lingüiças dependuradas.
─ Não precisa de ter vergonha, não. Pede aí um sanduba pro Português.
Enquanto comia, Jimin olhou para o Fininho, que andava sempre bem vestido. Naquela noite, usava um vistoso blusão de náilon vermelho e verde, jeans e sapatos docksider. O Fininho é que sabia das coisas. Não era raro aparecer de relógio novo, de pulseira de ouro. Um dia até mostrara todo orgulhoso um Rolex, que, depois, passara para a frente num negócio de drogas.
─ Güentei de um otário na avenida. Enfiei o dedo dentro do casaco e disse que tava turbinado. O cara medrou na hora e esticou o braço. Foi só puxar o Rolex e sair numa boa. Mas fácil que roubar bala de pivete.
Ah, se tivesse a coragem do Fininho! Meter uma bala na cara do Tonhão e sair num boa, como se nada tivesse acontecido...
─ 'Tá melhor agora, pivete?
Jimin fez que sim com a cabeça. O Fininho acertou a conta e foi indo embora, gingando o corpo em sua pose de malandro. De repente, parecendo se lembrar de alguma coisa, voltou-se e perguntou:
─ 'Tá afim de dar uma banda, garoto?
O Fininho convidando-o para sair?! Jimin não coube em si de contente com o convite. Antes que ele se arrependesse, disse mais que depressa:
─ Se você 'tá convidando...
─ Então, vamos indo, que o Fanho 'tá me esperando.
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1- guard-rail:
uma mureta, guard rail ou defensa metálica é uma proteção que geralmente aparece nas margens de pistas de automobilismo e em muitas estradas públicas.
2- "um plá":
conversa, papo;
ex: "quero dá um plá com você";3- malaco:
malaco é um jovem, geralmente de periferia, conhecedor das ruas e guetos, e das suas maldades e "leis". costuma falar gírias com frequência, e muitas vezes é alvo da polícia por ter o estereótipo parecido com os de bandidos e malandros.
4- vagal:
forma encurtada de "vagabundo";
5- "dar uma banda":
passear, dá um rolê;
6- rolex:
Rolex S.A. é uma empresa suíça fabricante de relógios de pulso e acessórios com sede em Genebra, fundada em 1905 por um alemão, Hans Wilsdorf. É considerada por muitos como um símbolo de status social. e foi avaliada como uma das 100 marcas mais valiosas do mundo em 2007.
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𝗽𝖾𝗋𝗂𝗀𝗈𝗌 𝗻𝖺 𝗻𝗈𝗂𝗍𝖾 𝗲𝗌𝖼𝗎𝗋𝖺 • 𝗽𝗃𝗆 + 𝗷𝗃𝗄
Fanfiction[𝗘𝗠 𝗔𝗡𝗗𝗔𝗠𝗘𝗡𝗧𝗢] 𝗝imin não era de fazer mal a ninguém. Quinze anos, apenas. Magrinho, pequeno. No entanto, o mundo em que vivia era muito violento. Seu pai, um traficante, fora morto pela polícia. O padrasto bebia e o espancava. Em casa f...