Devoções Enganosas - Side Story

Cap 14 - Saindo do closet

     - Ele ainda não ligou - Ash estava ansioso, conferindo o correio eletrônico diversas vezes - Claro que não ligou, ele deve estar acompanhado.
     Não conseguia se livrar da carranca mau humorada, andava de um lado para o outro, nervoso. Vivian, mãe de Ash, acabara de disponibilizar o quarto antigo do filho, o piano vermelho estava na sala de antes, tudo no lugar, do jeito que deveria ser. Viu-o na sala de visitas, encarando o telefone:
     - Meu tesouro, está esperando alguém ligar?
     - Eu sai da mansão do Daves quando ele ainda não havia chegado das gravações, e ele ainda não ligou para mim.
     - E por quê você quer tanto que ele ligue?
     Boa pergunta. Por quê? Até então, Vivian Myles não tinha ideia do que havia acontecido, do motivo de Ash ter aceitado voltar antes do dia previsto, por mais que ela estivesse contente com isso.
      - Bem, morei com ele durante um tempinho, até. Acho que ele daria pela minha falta.
      - Honestamente, filho, algum empregado pode ter dado o recado. O que faz você pensar que ele se daria ao trabalho de conferir, já que você contou que avisou ele que voltaria hoje.
     - É, acho que tem razão, mamãe.
     - Sempre tenho, querido - Vivian chegou ao lado do filho, abraçando seu braço direito - Venha, vamos comer fora hoje. Precisamos comemorar seu retorno!
     Ash concordou, "ela deve estar tentando distrair-me... Que seja", pensou. Não trocou de roupa nem nada do tipo, não sentia-se suado, apenas saíram.
      Louis estava descendo as escadas, pegou celular, chaves e o casaco. "Vou caminhar um pouco, talvez isso relaxe minha cabeça", decidiu. Já havia feito um lanche na cozinha, como Edith sugeriu, mas ainda estava com fome e decidiu comer sozinho em algum lugar.
      Quando chegaram ao restaurante, Ash estendeu a mão para puxar a cadeira para sua mãe, ajudando-a a sentar. Logo, ele sentou de frente para ela. Estavam numa mesa com vista para o lado de fora do restaurante, janelas enormes de vidro, tudo bem iluminado e bonito. Fizeram o pedido e esperaram.
      Louis estava andando, com as mãos no bolso, pensando em nada. Quando o clarão do ponto chamou sua atenção. "Comida taiwanesa... Será que é uma boa para hoje?", pensou, e então, o ronco do seu estômago falou por si só. "É, acho que sim". E foi até lá.
     Chegando lá, entrou na fila para escolher uma mesa, quando um dos manobristas reconheceu-o:
     - Grande Louis Daves!
     - Oh meu deus, é o Louis Daves?
     Pronto, o plano de se misturar na multidão foi pr'o beleléu. O tumulto regrado de selfies e pedidos de autógrafo chamou a atenção do gerente:
     - Mas o que está acontecendo aqui?
     - Senhor! Olhe ali, o ator Louis Daves! - disse o porteiro.
     - Santo arroz frito... Duas estrelas da arte no nosso restaurante?! Oh por favor, senhor Daves, queira perdoar o tumulto - O gerente aproximou-se do loiro, que estava sorrindo muito para todo mundo e cumprimentando.
     - Está tudo bem, isso é normal. Mas, por favor, sem pressa. Gostaria de uma mesa próxima às janelas.
     - Agora mesmo, senhor. Entre, por favor, entre! Vou preparar uma mesa para o senhor pessoalmente.
     - Eu fico agradecido.
     Recepcionando o ator, o gerente pergunta para quantas pessoas deveria ser a mesa. Louis diz que vai jantar sozinho, e o homem leva-o até um espaço mais tranquilo, com janela.
      Ao sentar, um garçom apareceu, sabe-se lá de onde pois foi quase instantâneo. Louis pediu recomendações, fez check in no restaurante em sua rede social, e então, pediu o especial do dia.
      Ash já havia sido servido, estava comendo e conversando com sua mãe sobre como foram as semanas morando com Louis, quando olha vaga e brevemente para o lado e engasga. Tossindo e ofegando, Vivian levanta abruptamente, esfregando e dando tapas nas costas do filho:
     - Calma, Ash. Aqui, beba um pouco d'água.
     Bebendo tudo muito rápido, Ash respirou melhor, suspirou e então, puxou a gola da sua camisa, buscando mais fôlego e limpou a garganta. Sua mãe ficou inconformada e reclamou com o garçom:
      - É isto? O que há de errado com a comida de vocês? Estes peixes são de água doce, tenho certeza! Devem estar entupidos de espinhas!
     E mais um tumulto no restaurante. Vivian estava quase para fazer um belíssimo escândalo, quando Ash segurou seu pulso, levantando-se:
     - Mamãe, pare de chiliques. Não é culpa da comida.
     - Mas você quase colocou tudo para fora! Alguém tem que arcar com isso, filho!
     - Mas não será o garçom, mamãe. Foi culpa minha, eu não mastiguei direito - Vivian voltou para seu acento e Ash fez uma reverência, pedindo perdão ao garçom em nome de sua mãe. O rapaz, constrangido por uma celebridade estar se reverenciando, abaixou sua cabeça também, dizendo que não havia problemas.
      Mesmo com o pequeno escândalo, Louis não olhou para os lados e continuou comendo. Haviam trazido-lhe um caldo, alguns legumes e carne. Colocando folha de alga, cobrindo toda a boca, em seguida de um montinho de arroz e um pedacinho de carne. Pôs tudo para dentro e mastigou, saboreando.
      "Ele ainda não notou que eu estou aqui. Eu deveria falar com ele?", Ash encarava a mesa de Louis, até Vivian notar. Com receio de ser indiscreta ao virar-se para olhar o que seu filho tanto encarava, pegou um espelhinho em sua bolsa, e mirou na mesa de trás. Viu que era Louis, e então, entendeu a inquietude do ruivo:
     - Por que está olhando assim para a mesa dele?
     - Você notou?
     - Não sei como ele não sentiu arder a pele, com você encarando o rapaz assim.
     - Desculpe, eu vou me concentrar no que estava dizendo.
     - Ah claro, eu nem estava falando, sinceramente. Por que não vai cumprimentá-lo?
     - Acha que eu deveria?
     - Bem, você está quase fuzilando ele com o olhar. Seja lá o que vocês têm pendente, resolvam.
     - Eu não sei, ele me pareceu decidido, da última vez que conversamos.
     Alguns minutos de indecisão vinda do filho, Vivian estava quase surtando novamente. Até que encurtou a distância entre os dois e questionou:
     - Alguma coisa aconteceu entre vocês?
     - C-como assim, mamãe?
     - Ash, não minta para mim, vou fazer uma pergunta.
     - Certo, faça.
     - Vocês estão... Envolvidos?
     - ... Não entendi a sua pergunta.
     Vivian suspirou, detestava conversar coisas pessoais com seus filhos. Foi um sufoco explicar o que era puberdade, falar sobre amor e casamento. Sua praia era finanças e trabalho. Conversar coisas íntimas não fazia seu gênero. Mas ali, naquele momento, achou necessário:
      - Filho, você sabe que eu amo você. Da minha forma, mas amo.
     - Hahaha, sabe que, às vezes, eu tenho dúvidas quanto a isso, mãe.
     - Dúvidas?
     - Você chegou à cidade esperando que eu estivesse já casado, teve toda uma briga com a Débora e ela foi embora. Não passou dois meses, e você já conseguiu uma moça nova para mim. Exigiu que eu me casasse, eu fugi com meu irmão. Além de que, durante a infância, a senhora não deu bons exemplos de amor maternal.
     - Ash, eu sei que eu nunca fui uma mãe do tipo que as pessoas dizem "nossa, olha só que mãe ela é", mas sempre fui assim. É de família, acredito. Ser ranzinza e mandão é como herança, todo Myles é assim. Por que acha que seu pai largou a gente?
     - Faz sentido. Mas não entendi aonde quer chegar.
     - O que eu quero dizer é que, eu sinto algo esquisito entre você e o Louis. Quero saber o que, exatamente, aconteceu.
     - Mamãe... A senhora acha que homossexualismo é algo muito polêmico?
     - Bem, eu mesma sou a favor de cada um cuidar da sua própria vida.
     - E se Sean tivesse escolhido casar com um homem?
     - Sean deixou a Débora por um homem?
     - Não! Só uma suposição.
     - Hum - Vivian pegou uma taça de água e tomou um gole, preparando-se para responder - Eu ficaria triste por um dos meus filhos ser gay.
     - Por quê?
     - Calma. Eu não sou intolerante, mas ficaria triste porquê eu adoraria ter um neto que herdasse o seu cabelo ruivo ou essa pele rosadinha que você sempre teve. Mas isso pode ser resolvido.
     - Pode?
     - Sim, se você acabasse por casando com um rapaz, vocês poderiam me dar um neto que fosse parecido com meu filho favorito. Bastava optar por barriga de aluguel.
     - Então, não é problema para a senhora ter um filho gay ou bissexual?
     - De forma alguma.
     - Que bom que pensa assim, mamãe, eu queria mesmo que você soubesse de uma coisa.
     - Você é gay, Ash?
     - Não, bissexual.
     - Oh... E quando descobriu isso?
     - Durante minha estadia na casa do Louis.
     - Então... Você e o Louis...? Vocês dois estavam...
     - É. E não para por aí. Nós gostamos um do outro, mas eu o vi agarrando uma mulher. Me senti... Usado. Algo assim. Eu... Eu fui além dos meus limites por causa dele e...
     - Ei, ei, ei! Como assim "além dos limites"? Você não está dizendo que...
     - Sim, nós fizemos e eu... Eu fui o passivo...
     - COMO É QUE É?!- Ash ficou constrangido e baixou sua cabeça. Vivian estava mais do que chocada, sem saber o que responder. Apenas disse a primeira coisa que veio em mente - E doeu muito?
     - Ahn... De início, mas depois passou. Por quê está perguntando isso? De tantas coisas para querer saber.
     - Ah, não me culpe, eu nunca pensei que você fosse o passivo!
     - Por quê não?
     - Não sei, você é um Myles. Dominador, impulsivo, mandão, carrancudo. O Louis é bem mais... Leve, feminino... Não sei, ele combina mais com o passivo.
     - Heh... Você, realmente, não conhece ele, mamãe.
     - Agora eu entendi porquê você se sentiu "usado". Mas não se preocupe, filho - Vivian estendeu o braço na mesa, alcançando a mão de Ash - Eu vou cuidar para que ele não magoe você novamente. Prometo!