Capítulo 2

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Estava tudo normal, diria. Não se sentia estranho, já estava acostumado com a mudança de parceiros, coisa que aparentemente Denki não era.

Olhou para o lado de novo e viu ele com um rosto neutro, pensando em algo que não sabia e que claramente não estava interessado. Talvez por isso ele não tenha dado um pio até agora e só olhava pra frente que nem um peixe morto. Lambeu os seus lábios secos e pálidos e relembrou de sua antiga parceira, Chikuchi Togeike. Era uma garota bem na dela e isso ajudou na convivência de ambos, já que Hitoshi nunca foi muito de conversar afinal. Ela também tinha morrido na última batalha, não é como se pudessem trocar de parceiro da noite para o dia.

A parte oeste foi a mais prejudicada e estavam lutando naquele setor, por isso tiveram mais mortes do que qualquer outro esquadrão. Às vezes pensava que era favoritismo dos comamdantes e dos reis por colocar o esquadrão de Shota nos setores onde não tem tantos perdidos. Mas sabia que não era por isso. Além do esquadrão ficar com duas áreas inteiras, tinha noção do treinamento intensivo que seu pai fazia questão de colocar em prática com todos os seus aprendizes.

Ah é, ele não era seu pai. Mas gostava de pensar que era.

Quando não era nascido e isso nem ao menos era pensado em tal coisa, sua mãe e Aizawa tiveram um relacionamento. Ficaram, namoraram, casaram. Isso tudo em dez anos cheios de amor e carinho por ambas as partes. Até que a esposa de Shota começou a ficar distante, envergonhada em sua presença. Nem ao menos soube por ela, e sim pela sua família, que ela o estava traindo. E pior ainda: estava grávida do amante. Nessa sociedade corrupta, provavelmente ela seria severamente punida por tal coisa — apenas por ser mulher, já que homens poderiam fazer isso a toda hora —, contudo, Aizawa é um homem gentil, humilde e compreensivo. Sabia o que podia acontecer a ela, que, além disso, parecia bem arrependida de seus atos. Por mais que estivesse de coração partido e uma mágoa imensurável em seu âmago, continuou com ela como sua mulher e tomou Hitoshi como seu filho.

Nem ao menos sabia da existência de seu pai biológico e não se importava. Foi criado como filho de Shota e era isso que era: seu filho. Também viveu bem feliz com a mãe, que o tratava como um príncipe e até estava se dando bem de novo com o moreno. Porém, o pior aconteceu. A praga a consumiu e a morte a levou ao mundo dos mortos para descansar em paz. Assim como fazia com mais dezenas de pessoas todos os dias.

Abominava o cataclismo de uma forma que nem ao menos entendia. Essa era a dor do verdadeiro luto. Perder uma pessoa tão importante como uma mãe era demais para qualquer um. Agora não era dominado pela tristeza quando se lembrava dela — não como antes. Gostava de lembrar dos momentos felizes que vivia ao lado da grande mulher que ela foi. Sentia-se por um momento, livre.

No entanto, como sempre, não tem só um lado ruim em tudo aquilo. Com a morte de sua mãe, os boatos que antes não chegavam aos seus ouvidos foram desvendados aos poucos quando as pessoas soltavam grandes indiretas, principalmente a família por parte de seu pai, que sempre o tratou como um estranho. Um dia, o confrontou, não aguentando mais, sua cabeça cheia de dúvidas sobre as situações que vivia. Por mais que hesitante, Shota lhe contou tudo, com todos os detalhes que poderia dar.

Na época ficou desacreditado. Como aquele homem não era seu pai? Aizawa Shota, o homem que o tratou bem, como um verdadeiro filho, como? Tinha ficado triste, raivoso, culpado. Agora entendia tudo e por um momento se arrependeu de querer saber, no entanto, a sensação passou, é melhor a pior e fria verdade do que uma grande e doce mentira.

Aos poucos entendeu, seu próprio ponto de vista sobre essas coisas se formou. Aizawa era sim seu pai, por mais que não tivesse o mesmo sangue que ele, isso era incontestável e não precisava de uma grande explicação. Era sim um bastardo, mas só por parte da família Aizawa, o moreno o tratava como um membro dela. Claro, ninguém gostava que alguém como Shinsou ficasse tão bem em uma situação dessas, por isso não aguentavam e ficavam falando sobre a vida alheia. Não ligava para eles, como Shota disse uma vez: Não se importe com opiniões alheias e sem fundamento, se elas não fizerem alguma diferença em sua vida não merecem ser escutadas. Saberá diferenciar verdadeiras críticas de palavreados e frases sem base alguma.

Sarapintado (ShinKami)Onde histórias criam vida. Descubra agora