O Covil

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Assim que as lembranças voltavam como um flash a sua mente, Chat Noir se via obrigado a reviver cada sensação daquele dia. O cansaço da luta da manhã. A confiança cega no plano da joaninha. A sensação de estarem sendo observados. E até mesmo a máscara roxa entre as vigas da torre. Tudo lhe voltava tão repentinamente que, quando a dor latejante na cabeça lhe atingiu num pulo, era como se os flashes de memória finalmente se conectassem, explicando o vitral de borboleta em sua frente e as correntes em seus pulsos. Mas a confusão ainda não havia passado, pelo menos não totalmente.

 A contusão em sua cabeça e o pulo de mal jeito que dera para impedir o ataque de Hawk Moth eram pistas claras de a queda o deixou inconsciente, mas como ele saiu do chão da base da Torre Eiffel para as correntes de um átrio gélido e tenebroso? Bem, que isso era um plano do vilão já era claro, mas o objetivo daquilo parecia enevoado, e sua cabeça pulsando de dor não parecia colaborar. Devia ter algo que ele deixou passar. Ainda havia mais, uma impressão esquisita que não conseguia entender, como se esquecesse de algo muito importante; mas ele nem tentava entender com sua cabeça funcionando bem mais lentamente que o normal. 

 Talvez ele tivesse chegado à conclusão sozinho, se um barulho metálico não interrompesse seus pensamentos e, numa posse estática, o mestre das borboletas emergisse do chão bem em sua frente. Se ali já era frio, assumiu um frio mais excruciante quando o homem chegou e os pensamentos de Chat se silenciaram de pavor. O garoto não sabia dizer se era a fraca luz ou a sensação de impotência que seus próprios braços pendidos em correntes lhes traziam, mas o olhar mortífero do vilão o faziam se reduzir a uma presa indefesa em uma armadilha - e talvez, imobilizado, sem nem conseguir utilizar seu Cataclismo ou ao menos alcançar seu bastão, ele realmente fosse. Tentando controlar sua respiração e coração acelerados, Chat tentava se lembrar que era um super herói e não um coelho num covil de lobos, quando conseguiu pronunciar algumas palavras:

 - Onde estou? - Baixas e ásperas, as palavras mal chegavam a ser um sussurro. A acústica do lugar, porém, as faziam reverberar até Hawk Moth conseguir ouvi-las.

 - Onde parece que está? Vocês, heróis, não estavam procurando esse lugar a meses?

 Mesmo que sua cabeça lenta e dolorida parecesse inventar coisas, as palavras faziam sentido. Ladybug e ele realmente estavam procurando o esconderijo de Hawk Moth, procura que se tornou quase que prioridade desde que Mestre Fu passara o bastão de guardiã para a joaninha. Então ele realmente estava num covil. O máximo que ele conseguiu pensar foi que Hawk Moth o tivesse escondido em algum ponto de Paris, mas o homem o havia levado para o centro de suas buscas. É, só que sozinho e indefeso.

 - Por que estou aqui? - Chat sabia que deveria demonstrar um pouco mais de força, mas seus pensamentos ainda estavam meio lentos devido a pancada. Além disso, sua boca estava seca, o que disfarçava qualquer orgulho que ainda tivesse em sua voz.

 - Bem... não era você que eu queria, mas a Ladybug. Imagine o pânico, a onda de maus sentimentos que o sumiço de sua querida Bugboo causaria em Paris? Eu só precisaria espalhar mais akumas e deixar que meus novos minions trouxessem seu anel até a mim. Mas quando você pulou na frente dela para defendê-la, devo dizer que tive que mudar um pouco. Ele até que ficou mais interessante... Acho que a Ladybug também acharia…

 - Ladybug?!- o pânico superou qualquer dor ou garganta seca, e tudo lhes saía dos lábios num grito, ainda rouco, mas desesperado. Uma imagem dela acorrentada e até mesmo ensanguentada, com os horrores de todos os seus pesadelos, lhe veio à mente, o que o fazia gritar por ela cada vez mais e mais forte. Ele esperava uma resposta dela, olhando ao redor, sacudindo as correntes com toda a força, mas ninguém respondia. Então, com o sangue fervendo em suas veias, Chat se virou para o monstro em sua frente; não mais como um coelho, mas como uma fera. - Onde ela está?! O que fizeram com ela?!

- Ela não está aqui. Só conseguimos você. - Hawk Moth se distraia com a vista de seu vitral, calmo e sereno, dando as costas ao seu prisioneiro. Para o gatinho, aquilo era mais torturante do que seu olhar mortífero, pois ele não podia olhar nos olhos dele e dizer se suas palavras eram verdade. Seu sangue ainda fervia e sua cabeça doía ainda mais, mas ele só podia esperar a boa vontade do homem de voltar a falar. - Ela deve estar zanzando por aí, procurando você.

Chat tentou acreditar nas palavras dele e esfriar a cabeça. Era bem provável que ela estivesse bem, afinal, ao impedir o bastão de Hawk Moth, o garoto tirou o efeito surpresa das mãos do homem. A joaninha saberia como lidar com ele e a Justiceira para evitar ser capturada. Além do mais, o que ele ganharia escondendo isso do loiro? Se tivesse os dois heróis em mãos, ele teria arrancado os miraculous o mais rápido possível e não acorrentado o garoto ainda transformado. E, apesar de não ser nada confiável acreditar em vilões, a voz de Hawk Moth não transmitia nenhuma falha ou deslize, o que poderiam confirmar que ela estava bem. Tal fato fez o garoto sorrir. Até mesmo aprisionado, no covil do seu maior inimigo, ele pensava mais no bem estar dela do que no seu próprio. Tortura, castigo e morte, nenhuma dor lhe parecia maior do que a de vê-la sofrer. Só saber que ela está bem lhe trouxe um pouco de paz. 

 Não só bem, mas procurando por ele. Uma certeza lhe preencheu o peito, aquela mesma certeza cega que o levava a segui-la em qualquer plano, ou até mesmo se jogar de um prédio por ela. Aquela confiança desmedida que o colocava em enrascadas loucas, mas também, o tirava delas. Foi tão forte a sensação, que seus lábios deixaram escapar em palavras: 

 - Ela vai me achar. 

 - Eu sei. - O vilão respondeu, mesmo sabendo que não era para ele. Mas algo misterioso em sua voz atraiu a atenção do gatinho de volta. - Conto com isso.

  A breve sensação de certeza lhe fugia pelos dedos, enquanto mil perguntas inundavam de novo a cabeça do garoto. Mas Hawk Moth não estava mais ali para respondê-las. O chão o havia levado, deixando Chat de novo sozinho com seus pensamentos.

Chat Noir DesaparecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora