Sem jeito

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E depois de madrugadas desenhando e decorando as curvas um do outro. Depois de segredos, sorrisos e intimidades partilhadas, naquela noite em que ele se levantou sem lhe dizer nada ela sabia que tudo iria mudar.
O desespero pelo silêncio foi ofuscado por o barulho que o coração dela fez ao ser novamente quebrado.
Ele levantou-se, sentou-se na beira da cama com a cabeça enfiada entre as mãos, talvez, quem sabe pedindo mais uns minutos para aceitar que tinha que o fazer, respirando o cheiro dela pela última vez, rezando para que ela não encontrasse outro tão facilmente, rezando para que ninguém ocupasse o seu lugar ao lado dela. 
Ele vestiu-se devagar quase penando a sua alma de dor. Ele sabia que não era correto nem para com ela nem para com a outra rapariga que ele tinha em casa provavelmente á sua espera mesmo ás 4 da madrugada. Ele sabia que não podia continuar com aquilo mas por vezes a razão tende a falar mais alto que o coração. Ele não podia acabar o noivado de 3 anos por umas aventuras tardias e madrugadoras que o tinham levado ao que ele pensava já ter encontrado.
Em menos de pouco havia-se apaixonado pela loira que dormia á sua frente. Durante meses não o admitia, impedia-se de pensar no seu segredo mais precioso, ela. Mas agora enquanto se vestia e a observava calada, na cama a olhar para ele, ele compreendeu que o mais provável era vir a viver uma vida de arrependimento ao lado da mulher que ele pensava ser a tal quando na realidade a tal estava ali, a olhar para os lençóis onde ele antes se deitara, a tapar-se com eles talvez por vergonha, humilhação de se ter entregado a alguém que ela sabia que ao final da noite iria voltar para o quem o aguardava em casa em vez de se resguardar nela.
O arrependimento estava estampado na cara dele.
_ Não me interpretes mal. – Ele pediu. – Tem que ser assim. Ou é isto ou eu ainda me ia apaixonar mais por ti.
_ Contigo sempre foi tudo tao diferente. Desdo início. Contigo o amor invadiu-me pela boca enquanto tu te rias e eu olhava para ti. Foi desdo primeiro momento que eu percebi que contigo não havia como esquecer, fazer de conta que nada tinha acontecido. Era impossível. Houve até um momento de clareza no meio das escuridões das nossas madrugadas em que eu me vi a viver o resto da minha vida contigo e não com ela depois, pareceu-me inaceitável viver o resto da minha vida com ela. – Ele disse entre o medo da sua reação.
Ela ficou pálida, fria a qualquer estímulo dele. Ela percebeu.
_ E foi ai, não foi rapaz? Foi aí que de homem te fizeste menino e te fugiste do possível. Por não o queres. Porque ela é melhor e eu nunca serei ninguém, pelo menos para ti. Mas vai, vai embora, chega em casa e cai nos braços dela porque sentes saudades. Não te recrimino, entendo até. Também quero isso um dia, a certeza de ter alguém meu. Acho que não íamos dar certo de qualquer das formas. Tu alimentas-te de estabilidade, eu sempre me alimentei de momentos, foi num deles que eu dei por mim apaixonada por ti.
Não olhavam um para o outro.
_ Acho que vou viver o resto da minha vida tentando-me convencer das minhas próprias mentiras. É absurdo como o medo fala mais alto que o amor. Desculpa-me meu anjo.
E enquanto se afastava e saia da casa dela ele reviu todos os detalhes que só ela tinha, que faziam dela a tal. A forma como ela entrou na vida dela sem pedir licença, a forma de como lhe puxava o colarinho invés de lhe pedir um beijo. O jeitinho das chamadas da madrugada com a namorada ao lado, picando-o, chamando-o para a beira dela por mais umas horas em que ela garantia que não ia haver arrependimentos, em que ela dizia que ia ter um enfarte por causa das saudades. A mente insana dela, dos seus beijos com sabor a vontade, da sua pele suada como se ainda fosse perfume, das risadas que evoluíam em gargalhadas. A cara dela de quem gostava e sentia prazer, impecável, de como ele até recuava um pouco na hora do sexo só para poder apreciar o seu rosto limpo de qualquer maquiagem com um sorriso escancarado de quem não quer parar, e o jeito dela cravar as unhas nas suas costas e uivar de satisfação e loucura enquanto o beijava como se fosse tirar a alma de dentro dele.
Ele sabia que nada disto se ia repetir novamente. Ele agarrava-se com toda a força a tudo o que era dela que ele nunca voltaria a ter ou ver.
Ele sabia que ia ter saudades de tudo aquilo e muito mais. Ia ter saudades dela. Ia ter saudades do seu rabo-de-cavalo e a sua boca colada na dele impedindo-o de a soltar e nunca mais voltar.<br/>
Ele perdera-a no momento em que ela o ganhara. Nas entrelinhas de um amor desajeitado.

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