consume | ray marcelle.

02.

Meia hora depois de eu ir pro meu quarto, não liguei para o salão de beleza e tô tão desanimada que quase peço pra não ir. Eu devia estar lá, me arrumando e fazendo as mesmas coisas de sempre, mas estou deitada debaixo das minhas cobertas e olhando pra mais dos comentários, que falam as mesmas coisas de mim.

Às vezes alguns falam outras coisas, mas no geral é o mesmo de sempre: "não vou com a cara dessa Ray, ela é muito falsa com a Kamylinha." "Se acha, mas nem corpo tem direito, a Kamy é muito mais bonita!!" E quando tô quase com os olhos quadrados de tanto encarar a tela do celular, e nem sei mais quantas pessoas disseram coisas horríveis sobre mim, eu o abaixo e olho pra a hora.

Cinco e meia. Hytalo vai sair daqui umas sete.

Tá, eu vou me arrumar agora. Hoje não vai ter salão, mas o mínimo que eu posso fazer é me arrumar sozinha. Saio da cama e vou para o banheiro, onde lavo meu cabelo e ensaboo meu corpo com meu sabonete de amêndoa favorito, e quando me seco saio espalhando um hidratante pelo corpo, e começo a pensar em como vou me maquiar.

Claro que sei me maquiar sozinha, embora na maioria das vezes sejam profissionais quem fazem isso por mim, mas a questão é que não sei se quero fazer isso. Bufo. Por que que isso tá acontecendo? Desde quando fico tão desanimada para me maquiar?

Acabo passando um leve delineado, rímel e só penteando a sobrancelha de leve, e decido que tá bom. Deixo o cabelo preso em um coque propositalmente bagunçado mas aceitavelmente bonito, com algumas das minhas mechas brancas caindo ao redor do meu rosto, e tudo que coloco no corpo é um croppedzinho branco sem alças, uma calça jeans de cintura baixa e um tênis da mesma cor que a parte de cima que coloquei, pra pelo menos dar uma combinada.

Faz uma semana que não ponho minha unha de fibra, então ela tá bem acabadinha sem ficar do jeito que geralmente tá pintada e alongada, mas não ligo.

Termino de me arrumar vinte minutos antes do normal. Geralmente a gente saía meia hora atrasados por causa de mim. Penduro uma bolsinha no ombro, com meu celular e outras coisas minhas, e quando chego na sala meu pai está gravando, como sempre. Só que agora quero ficar o mais longe possível das câmeras.

- Olha a Kamylinha como tá linda meus amores! - ele roda ao redor dela. - Ó, já tá todo mundo mais ou menos arrumados e só falta a Ray chegar pra gente ir... - quando ele vai apontando o celular na minha direção vou me escondendo atrás de um móvel qualquer. - Quê isso, Ray?

- Não quero aparecer no celular hoje, pode apagar o vídeo por favor?

- O quê? Que que tá acontecendo? A Ray sem querer se aparecer num vídeo? Vai cair o mundo pelo jeito. - Pedro dá risada, e eu reviro os olhos.

- Eu só não quero aparecer nas câmeras hoje, qual o problema?

- Ah, então você decidiu que do nada vai deixar de aparecer nas câmeras? Somos influenciadores, Ray. Se lembre que a gente fica rodeado delas, e tem um monte de gente que vai perguntar onde você tá nas gravações. Não posso simplesmente não te gravar porque você não quer. - meu pai fala, e eu vou saindo de trás do móvel para que ele veja a situação, até ele me ver por inteiro e arregalar os olhos. Mas quem fala não é ele, e sim Andyn, que também tá sentado na sala e observando a cena toda:

- O que aconteceu, Ray? Não terminou de se arrumar?

- Não, eu vou assim mesmo. Fiquei com preguiça de fazer o resto das coisas.

Meu pai fica em silêncio por alguns segundos, e todo mundo da sala fica do mesmo jeito. Realmente, todos estavam acostumados com meu jeito deslumbrante de sair para todos os lugares, mas hoje não é um desses dias.

Eu bem que ficaria dentro de casa, mas tenho certeza de que se eu ficasse voltaria para o celular, onde estão as coisas que mais andam me fazendo mal ultimamente: os comentários sobre mim. Com sorte ninguém vai me reconhecer na rua pra pedir alguma foto, e eu vou dizer ao meu pai que também não tire nenhuma comigo. Tenho certeza que as pessoas iriam falar se me vissem desse jeito.

- Tá tudo bem com você, Ray? - Kamylinha é a primeira a falar, e eu sorrio pra ela.

- Sim, sim. Eu só não tô num bom dia, e não queria atrasar vocês de novo também.

- Tá bom. Ninguém grava a Ray hoje. - Hytalo anuncia.

- Estranho isso, em. - Yrley fala.

- Estranho por quê? - questiono.

- Ué bixa, porque você sempre se preocupa em se arrumar. E querendo ou não fica estranho te ver sem suas unhas de dois metros de cumprimento. - ele fala, e todos da sala dão risada, o que me faz sentir um aperto grande dentro do peito mas levantar um dedo e mandar pra ele. Não vou dizer que não gostei do comentário, se não vou ser tachada como chata. Mas realmente, me feriu um pouco.

Parece que as pessoas se acostumaram tanto com minha parte superficial, que me acham estranha quando não tô desse jeito. Tento deixar isso pra lá e elogio a Kamy, que tá deslumbrante mesmo. Também tento ignorar a forma com que os dois garotos que já fiquei na sala olham pra ela, mesmo depois de terem terminado, com uma admiração que me fere um pouco.

Kamy não sabe, mas ela é uma pessoa brilhante. Meu pai pede um carro para irmos na festa, e logo todo mundo está dentro dele, cantando e num clima que eu estou longe de ficar hoje.