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ray point of view | joão pessoa.

- Kamyla, não.

- Por favor, Hytalo!

- Não, e não começa com falta de educação. O garoto já tá aqui em casa, que diferença vai fazer o quarto dele ficar lá embaixo ao invés de aqui em cima? Não vou querer os dois no mesmo quarto de porta fechada mesmo, quinze anos pra mim é no máximo uns beijinhos e pronto. - ele fala pra Kamy, e Lotus do lado dela começa a dar risada e abraçar ela de lado.

Consigo sorrir de leve pela alegria da Kamy. Os dois conseguiram o que queriam e agora vão ficar juntos, se tudo der certo, e eu não podia ficar mais feliz por ela.

Foram buscar Lotus no aeroporto ontem de manhã, depois de ele ter mais de seis horas de viagem da cidade dele até pra cá, e todo mundo foi buscar ele. Menos eu, claro, porque além de não ter acordado eu de qualquer forma não ia querer sair de casa.

Cheguei num nível tão exausto que tô cansada demais pra fingir, pra querer parecer feliz na frente de uma câmera que sempre vai terminar com gente falando mal de mim. Ainda mais agora, que vão começar a suspeitar de qualquer coisa que envolva eu e o Lotus.

Depois do que aconteceu na escola, eu também não duvido mais de nada que possa acontecer comigo. Depois da falta de ar, da dor no peito como se a ponta de uma agulha me perfurasse, dos tremores, da angústia que embrulhou meu estômago, das estrelinhas na visão... só a lembrança já faz meu peito se apertar.

Tive que correr pro banheiro, e só quando comecei a engasgar na própria respiração, ficar tonta de tropeçar, foi que entendi que se eu não pedisse ajuda ia desmaiar. Hytalo disse que deve ter só sido algo que eu comi. Quero acreditar que foi isso. Eu fiz ele acreditar que foi isso.

Termino de colocar meu café da manhã e sento na mesa.

- A gente tem que planejar uma festa. - Hytalo fala.

- Isso! - Kamylinha começa a pular de alegria. - Uma festa na lancha! Mas tem que ser uma grande dessa vez e que caiba todo mundo num só.

- Quer um navio, querida? - Hytalo debocha. - Vou ver o que eu acho, da última vez a gente gastou uns quinze mil.

- Oloko, mas não precisa gastar tudo isso no próximo não. Por que a gente não faz uma coisa mais caseira? Tipo aqui mesmo, agora que vocês tão morando numa casa e não mais num apartamento. - só de Hytalo começar a balançar a cabeça, sei que ele não vai aceitar.

Hytalo ama fartura, ama festas cheias com as melhores comidas e cantores, ama proporcionar uma alegria pra todo mundo que um dia passou pela mesma situação difícil que ele. Ele não aceita "miséria".

- Nada disso. Acho que a gente devia alugar um iate, isso sim.

- É! Você não pode ter uma festa de boas vindas qualquer não. - Kamylinha se vira pra ele e abraça Lotus de novo, o que faz ele fechar os olhos e sorrir, e o que faz meu peito doer de saudade, meu corpo enfraquecer e eu perder um pouco a fome.

Porque lembro do único abraço que eu só pude ter uma vez, do único lugar que eu queria estar, que na verdade não é um lugar, mas um tal de Nicolas.

Essa é a única saudade que não consigo me acostumar. A saudade dele. Ainda mais depois que ele me fez quase falar toda a verdade pra ele ontem. Me fez me sentir segura de conversar qualquer coisa com ele. Me fez ficar incapaz de não manter contato nenhum com ele.

- Quando você vai devolver nossos celulares? - pergunto pro Hytalo.

Sim, ele já começou com essa mania de pegar nosso celular, e controlar o tempo que a gente usa ele.

consume | ray marcelle.Onde histórias criam vida. Descubra agora