Meus Não-Sentimentos

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Vou me atrasar um pouco, acho que vou chegar lá pelas 16h.

Dizia a mensagem de Sam que era exibida no nosso chat no WhatsApp. Eu digitei um rápido ''tá bom'' e logo bloqueei a tela do celular. Respirei fundo e me joguei na cama grande e fofinha de Alice, enterrando a cara no seu edredom que infelizmente cheirava puramente ao seu cachorro.

— Ela tá vindo? — Cindy entra no quarto espaçoso com seu caderno e estojo nas mãos, Alice vem logo atrás com alguns livros e um estojo bem maior que o de Cindy. Elas jogam os materiais na escrivaninha de Alice.

— Disse que vai chegar lá pelas 16h.

É sábado e estamos na casa de Alice para o prometido grupo de estudos. E não, eu não poderia estar num clima mais estranho para estudar. Começando pelo fato de que estou morrendo de sono, pois fiquei até tarde falando no telefone com Sam na noite anterior e fui dormir perto das 3h da manhã. E antes que você se pergunte, já digo que a resposta é não. Eu não consegui conversar com ela sobre nenhuma das minhas paranóias, muito menos sobre a minha descoberta mais recente sobre seu pai. O que Peter me contou depois da grande revelação — que só era grande para mim — foi que Sam perdeu o pai num acidente de carro, e então ela e a mãe se mudaram para cá. Ele ficou completamente surpreso por eu ainda não saber disso e eu tive que inventar que eu tinha acabado de conhecer Sam e por isso nem imaginava tudo isso, o que não é uma completa mentira.

Na ligação com Sam eu não soube como chegar nesse assunto, não queria simplesmente soltar ''ei, seu pai morreu? E como você o viu naquele dia?'' do nada. E também acredito que isso não fosse fazer bem nenhum para ela. Já era um alerta para mim que ela dizia ainda ver ele por aí. Podia significar que ela mentiu para mim, podia significar que ela via espíritos (?), podia ser que ela tivesse outro pai, como uma espécie de padrasto que ela considera como pai e podia significar que havia algo muito errado com ela. Aposto que você sabe qual é a opção certa.

Então tudo que conversamos na ligação foram besteiras, Sam falando sobre o trabalho e as manobras que fez. Me falando tudo o que tinha dado errado na sequência de Ryan e o que fez ele cair do skate e quebrar o braço. Eu falei sobre o quanto ela tinha ido bem e ainda tentei chegar perto do assunto de sua família quando perguntei quem estava na casa dela, mas tudo que ela disse foi que a mãe estava no quarto vendo TV. Daí Sam dormiu bem no meio do meu monólogo de crítica do filme das Aves de Rapina.

Agora, depois de uma chuvinha fria e fraca nessa tarde, estamos aqui na casa de Alice esperando Sam aparecer. A mãe de Alice está no trabalho de enfermeira, o pai na confeitaria e os irmãos estão em seus quartos, tão individualistas quanto a própria Alice. Eu e Cindy viemos cedo e ficamos um tempo conversando na sala até Alice insistir em nos arrastar para o quarto.

— Eu preciso contar uma coisa pra vocês. — Eu me ajeito na cama enorme de Alice e tento pensar em como vou contar isso para elas. Eu preciso falar disso com alguém e essas imbecis até que sabem pensar direito quando querem.

— Deixou a Sam pegar nos seus peitos, né? — Alice me olhou um ar sugestivo e se virou para ligar seu videogame.

— Claro que não! — Eu cruzo os braços, de repente querendo esconder meus seios da vista delas, mesmo que eles estejam cobertos por um suéter. Fico impressionada em como minha cara nem treme com a mentira. — Quer dizer, deixei sim. Mas não é isso que quero contar.

— Você deixou?! — Cindy ignora totalmente o final da minha frase. Ela se senta na ponta da cama perto de Alice.

— Você nem respondeu a gente no grupo. — Alice diz ainda vidrada na televisão. O videogame começa a rodar GTA.

Noite passada as duas encheram o nosso grupo de mensagens perguntando se eu tinha dado para Sam, se eu tinha deixado ela me tocar, se tinha sido no banheiro e até se eu tinha gozado. Esse é o nível dessa amizade. Eu ignorei as mensagens já que estava numa ligação com a própria Sam e a inútil da Alice até me ligou para saber, mas eu rejeitei todas suas chamadas. Não posso reclamar muito, pois quando Cindy perdeu a virgindade com um garoto de uma universidade eu e Alice fomos bater na porta dela para saber dos detalhes, então não as culpo pela curiosidade.

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