Capítulo 1 - Primeiro Ato

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Papai segurou meu joelho, balançando-o levemente e avisando que já estávamos chegando. Após horas de viagem, a janela do trem parecia quente e pegajosa contra minha bochecha, me endireitei, ouvindo o autofalante soar com a voz do maquinista, anunciando o desembarque.

- Andiamo figlia mia.

Papai falou em seu italiano sofisticado, o mesmo italiano que eu falava, o mesmo italiano que Bianca e mamãe falavam...

- papà.

Concordei, saindo do meu transe, eu não me permitiria pensar naquilo, não mais. Levantei do meu assento, pegando minha mala de mão enquanto papai segurava a minha de rodinhas, eu não havia trazido muitas roupas, a bolsa em minha mão estava composta apenas por livros, e as peças que quis levar estavam com papai. Acompanhei o fluxo de pessoas indo em direção à porta do vagão, saindo poucos segundos depois, o frio da Inglaterra me cumprimentou, batendo violentamente contra meu rosto, o deixando gelado. O inverno estava iniciando e logo as temperaturas seriam cada vez mais negativas.

- Porque teve que escolher um internato justo na porra do país mais nublado do mundo?

Perguntei à meu pai, olhando para o céu, que aparentava um profundo cinza por toda a sua extensão.

- Se acalme mia figlia, não é tão ruim assim, você vai perceber. Sua mãe estudou aqui, eu estudei aqui...

-E foi assim que se apaixonaram perdidamente.

Completei, antes que ele pudesse.

- Eu sei papà, você já me contou essa história um milhão de vezes.

Caminhei pela estação de trem, procurando pelo campo de táxis, tentando encontrar algum para me levar até o meu destino, um internato em algum buraco em Windsor.

- É só que... é diferente pai.

- Diferente como?

- Eu não queria vir pra cá, eu estava muito confortável em Milão, debaixo das cobertas e aproveitando meu luto. Porque você simplesmente não podia me deixar em paz?

- Porque você não pode passar o resto da sua vida se escondendo Sophie! Você nunca vai ser alguém se continuar desse jeito e isso não está em discussão.

Segurei o desejo de revirar o olhos, sabia que só iria deixá-lo mais irritado. Papai não usava a violência, mas desde o acidente ano passado ele vem se tornando cada vez mais explosivo e imprevisível. Ultimamente ele estava tendo momentos bons, mas eu nunca sabia quando isso iria mudar. Concordei com a cabeça, sem dizer mais nada, segui meu pai até o táxi e ficamos em silêncio a viagem toda, parando alguns minutos depois em frente a um local que parecia o castelo de Harry Potter, com toda a sua estrutura medieval por fora e coberto de árvores e vegetação ao redor, tenho quase certeza que há uma floresta nos fundos. Haviam pessoas sentadas em toalhas na grama da parte da frente do local, quase como se estivessem fazendo algum tipo de piquenique.

- Chegamos.

Avisou o taxista, nos fazendo sair do carro e pegar as bagagens no porta malas. Pisei no gramado do terreno do colégio, meu coturno preto afundando na grama e terra do chão, o sujando.

- Nem cinco minutos aqui e já estou cheia de merda nos pés.

Reclamei, sacudindo-os, tentando expulsar a sujeira.

- Não se preocupe querida, os alunos não passam muito tempo aqui fora de qualquer maneira, não será algo recorrente.

Em minha névoa de chateação não percebi alguém se aproximando, olhei para cima, tendo a visão de uma mulher alta e esbelta sorrindo alegremente para mim, seus cabelos de um ruivo forte, quase vermelho estavam presos em um coque arrumado a deixando com uma aparência jovial e sofisticada, embora eu tivesse certeza que ela tinha quase a mesma idade que meu pai.

𝐼𝑛𝑠𝑜́𝑙𝑖𝑡𝑜Onde histórias criam vida. Descubra agora