CAPÍTULO CINCO

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TÉO

Não fumei na noite passada, nem hoje de manhã, nem depois do almoço. Ainda, não arrisquei trazer um maço pra viagem, deixei na gaveta da escrivaninha, socado no fundo pelas apostilas velhas. Sabia que, à medida que me aproximasse de Vinhedo, eu só ficaria mais ansioso, e ficando mais ansioso, a vontade de ter um cigarro na mão e fumaça no peito seria mais forte.

O grande inferno agora era que, para evitar feder a fumo, eu corria o risco de ter enxaqueca. A última foi fodida, lá no residencial, mal conseguia ficar em pé na luz do sol e perdi um dia deitado de tão podre que fiquei. Se essa porra batesse agora, a mais ou menos... Olhei para o relógio de pulso... Vinte minutos de Vinhedo, eu foderia tudo.

E eu não podia foder com nada hoje.

Não com ela.

A Dorta me mandou comer maçã, tomar bastante água e escutar qualquer coisa que me acalmasse.

Durante a viagem, eu já tinha comido três maçãs, tomado um litro e meio de água e escutado as melhores de uma caralhada de álbum do AC/DC. Até agora, nenhum sinal de enxaqueca, mas ansioso e frustrado com porra de caminhão na frente eu já tinha passado da cota. Não amenizava que, ao meu lado, estivesse Ana Luísa Marques, falando mais que o necessário e agindo como se fosse dona do banco onde estava sentada. Se não fosse a falta de cigarro a me causar enxaqueca, a Amiga Número Um seria.

― A gente não tá numa corrida contra o tempo, não, viu Alecrim Dourado... A Sofia não vai evaporar do sítio se você for um pouquinho mais devagar ― ela reclamou, pela terceira vez, da velocidade. Mas eu nem estava correndo muito, ela que devia estar acostumada com carro novo que não dá sensação de correr demais, mais silencioso que o Opala. Na saída de São Paulo, jurei que Ana Luísa furaria o banco de tanto que afundou as unhas nele.

Eu já tinha respondido duas vezes que não estava tão acima dos cem e dez quilômetros, então só me concentrei em ultrapassar um caminhão que tinha porcos de carga.

Não fumei desde ontem pra chegar ao sítio fedendo à cigarro.

Nem fodendo seria à porco.

Ana Luísa agarrou o banco mais uma vez, invocando a Santinha e seu filho ― o pai, como na maioria das vezes, não estava presente. Depois de ultrapassar e retornar à via direita, duas caminhonetes passando em seguida, eu senti o seu olhar me fuzilando.

― Sabe, pra isso dar certo, eu e você vamos ter que fazer alguns acordos ― ela falou, cortando o silêncio outra vez.

Isso é uma viagem. Não tem acordo que me faça dirigir a oitenta por hora numa rodovia ― respondi. Essa foi a sua sugestão inicial: oitenta por hora.

Não tô falando sobre a viagem ― ela disse num tom insuportável de quem levanta a voz pra corrigir o outro. ― Tô falando sobre o seu namoro com a minha amiga.

Lá vem...

Eu só queria uma viagem em silêncio, porra.

Como não respondi, Ana Luísa sentiu que devia continuar:

― Porque vai acontecer o seguinte: você vai virar um dos protagonistas na história dela, vai ocupar espaço, tempo e narrativa. Eu, sendo a melhor amiga, também ocupo espaço, tempo e narrativa; e às vezes nós dois vamos ter que conviver dentro de tudo isso, pra não criar conflito pra ela. E vamos ser sinceros, já que você é de áries, e eu sou de escorpião: a gente não se dá bem. Pior ainda: quando você fizer alguma merda, porque todos namorados fazem merda, quem vai ter que escutar sou eu, então vou precisar lidar duas vezes com a falta de simpatia que sinto por você... Por isso: acordos, Lírio do Campo.

Sua loucura (Vol. 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora