Eu me enganei: apesar do desastre da madrugada, Téo ainda me queria por perto.
Por isso, em vez de me deixar ir embora, ele resolveu que pegaríamos estrada para Artur Nogueira. Não me deu opção nem tempo de pensar: seu jeito mandão veio à tona outra vez. Após o banho, simplesmente pegou o celular, ligou para o meu pai e me entregou, mandando avisar que eu não voltaria para casa tão cedo.
― Mas você não tinha dormido na Júlia? ― papai perguntou claramente incomodado por eu ter mudado de planos sem avisá-lo.
― Eu ia dormir na Júlia... só que daí... ― não sabia o que dizer no lugar de fiquei bêbada que nem um gambá.
― Teve uma recaída e voltou com ele? ― papai completou por mim, já que tanto ele quanto a minha mãe pensavam que eu terminei com Téo porque ele iria embora de São Paulo.
― Uma "recaída" é pouco... ― soltei sem querer.
― Meu Deus, filha, me poupa um pouco...! ― ele pensou que eu estivesse falando de sexo.
― NÃO! Não...! Não foi nesse sentido que eu falei, pai, a gente nem...
― Tchau. Aproveita o dia com juízo, mas nada de chegar tarde da noite. Qualquer coisa me liga... Tchau de novo.
Quando desliguei, só pude escutar a risada de Téo vindo do banheiro.
Não demorei a me trocar ― Ana Lu, em toda a sua sabedoria, tinha enviado algumas roupas minhas que ficaram esquecidas na sua casa, além de um par de tênis emprestado. Em pouco tempo, estava no banco de passageiro, acompanhando Téo tirar o Opala da garagem enquanto ligava o rádio. "Under The Bridge" começou a tocar, aquela melodia tão gostosa se misturando ao cheiro de couro do carro. Encostei a cabeça, fechei os olhos e sorri, de volta em casa.
No momento que Téo pousou a mão na minha coxa, uma vez na estrada, foi como se a última peça quebra-cabeças tivesse se encaixado. Ele ainda estava quieto, dando respostas curtas, e dirigia mais devagar que o seu normal, sem xingar motoqueiros que passavam de raspão; ainda assim, parecia satisfeito com a minha bunda colada no banco. Não que os nossos problemas tivessem desaparecido, eles foram escancarados quando acordei e me deparei com um Téo distante, de maneira que fingir não os ver era pura enganação... Porém, ele estava se deixando levar por nós outra vez, e eu...
Estava indo junto dele.
Por isso, ao passarmos pela sua igreja de batismo, onde vimos o sol nascer no meu aniversário, eu me inclinei e beijei o seu rosto até que ele o virasse e me beijasse nos lábios. Por isso, deixei a mão na sua nuca, acariciando com a pontas dos dedos, enquanto ele acendia um cigarro. Por isso, bebi muita água com limão e cortei uma maçã porque ele mandou eu me hidratar e comer para me recuperar da ressaca. Não reclamei do seu excesso de preocupação com o meu fígado, e Téo não reclamou que eu desse pedaços de fruta na sua boca ― não gostávamos de ser tratados como criança, mas precisávamos das concessões por agora, já que a madrugada tinha sido feita só de orgulho.
Por um tempo, o nosso quebra-cabeças tinha que se manter completo, com as peças unidas, para nenhum de nós abrir mão da sua paisagem.
Algumas dúvidas, no entanto, eu precisava tirar a limpo, e Téo percebeu isso muito rápido:
― Que foi?
Tirei os olhos da estrada e encontrei os seus me espiando. ― Que foi o quê?
― Cê não para de se mexer. Certeza que tá pilhada e quer perguntar alguma coisa.
Eu queria, mas tinha decidido deixar para lá enquanto estivesse com Téo, para depois perguntar a Ana Lu. Pelo jeito, as minhas pernas e bunda mudando de lugar a cada um minuto não concordaram com isso.