CAPÍTULO QUARENTA E QUATRO (parte 2)

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Eu queria gritar contra um travesseiro fofo, botar AC/DC para tocar no volume mais alto e dançar até os meus cabelos darem nó e os braços doerem de tanto ficarem levantados. Eu queria escrever páginas e páginas sobre como era me sentir alguém talentosa e me orgulhar disso mesmo que não fosse mudar nada no mundo. Eu queria subir no telhado de casa, com a câmera em mãos, e fotografar o primeiro pássaro que cantasse para mim, então eu lhe contaria em seguida: voltei aqui porque querem publicar um texto meu numa revista legal... e eu preciso de um registro deste dia, tão importante para mim.

E eu faria tudo isso, assim que chegasse em casa.

Mas, primeiro, precisava escolher um vestido para a formatura, que aconteceria daqui três semanas. Levando em consideração o quanto procrastinei para fazer isso, era melhor sair da loja com um bem bonito numa sacola.

Quem estava comigo era mamãe, que me achava linda em qualquer pedaço de pano que vestisse. Ana Lu devia estar aqui também, mesmo que já tivesse comprado o seu glamouroso vestido, mas ela estava presa numa clínica com a sua mãe e não conseguiria chegar tão cedo nem acessar as fotos dos vestidos que enviei, por estar sem internet, aparentemente. Enviei todos os que provei também para Téo, só que o meu namorado estava ajudando tanto quanto a minha mãe. Para ele, todos ficaram bonitos, porque eu era uma gostosa do caralho.

Depois de vestir uma peça marsala, com bastante tule e aberta nas costas, saí do provador para me ver no grande espelho da loja. Mamãe estava logo atrás e, mais uma vez, suspirou ao me olhar de cima a baixo. Como das últimas cinco vezes, as duas vendedoras mais próximas começaram a rasgar elogios, na ânsia de que eu finalmente tivesse um preferido. Então me encarei no espelho, tentando me achar tão linda quanto os outros achavam.

Isso devia ser mais empolgante, não devia?

― Se nenhum te impressionou, a gente pode ir em outro lugar, Sosô... ― a minha mãe disse baixinho, após se aproximar por trás. Provavelmente notou que não me animei ao provar os vestidos, sendo que eu gostava de desfilar com roupas novas.

― Ainda tem mais um pra provar ― respondi enquanto as vendedoras nos davam espaço, cada vez mais desesperançosas de venda. Deviam estar me achando uma chata.

Voltei ao provador, decidida a sair daqui com um vestido. Se esse último não me conquistasse, levaria o preto, liso e de decote bonito. Assim, não teria como errar.

Olhei para o último vestido pendurado ao lado, tão bonito quanto os outros. Este era verde escuro, com um decote generoso, duas fendas (uma em cada perna) e tule sutil cobrindo-o todo. O único problema era que, para puxar o zíper atrás e arrumar as calças, eu precisaria de...

― Quer ajuda? ― Mamãe entrou no provador como se tivesse o sexto sentido.

Assenti, louca para me livrar do vestido marsala, que, apesar de ser bonito, tinha volume demais por conta das camadas de tule. Téo nunca conseguiria encontrar a minha boceta num desses, então praticidade se tornava requisito na escolha de um vestido.

Tirei-o depressa, entregando à minha mãe, para que ela colocasse no cabide junto dos outros provados. Em seguida, peguei o verde e comecei a vesti-lo em silêncio.

Ainda não havia contado a ela sobre a matéria que eu conseguiria publicar, sendo que todos já sabiam, Téo, os meus amigos e papai ― para o último, tive que mandar mensagem, porque não o vi no almoço, e ele comemorou com todos os emojis de festa existentes. Já com a minha mãe, eu almocei, peguei trânsito e estava na loja há vinte minutos, e era como se houvesse uma barreira entre nós, impedindo que eu dissesse que fui bem-sucedida e seria recompensada por isso.

A verdade era que, desde que ela descobriu que eu namorava Téo, nos distanciamos, e as nossas conversas agora não passavam de obrigações ou coisas cotidianas. Hoje ela ainda estava mais tranquila quanto a ele, aceitando o meu namoro melhor do que eu imaginava, nada de barrar ou criticar, porém... Tudo o que aconteceu naquele dia em que ela me pegou com Téo na sala do diretor, sendo assediada por causa de uma fotografia sem nada demais, ainda deixava um gosto amargo na minha boca, e eu não conseguia engolir. Piorava quando me lembrava que, antes disso, ela me traiu: disse a Nina que eu não me apresentaria em Coppélia e me desmatriculou do ballet, sem mais nem menos. Isso fez sem me avisar. Fui descobrir por Jefferson, quem, por acaso, encontrei no shopping...

Sua loucura (Vol. 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora