Capítulo VI

58 4 1
                                    


"(...) E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude"
Vinicius de Moraes


Camila voltou para dentro do palácio às pressas se esgueirando nas paredes no intuito de não ser vista. A governanta não a reconheceria como uma empregada já que todos contratados eram minimamente contados, era quase certeza que não a deixaria passar sem levar umas belas broncas da mulher.
Entrou pelos fundos, seguiu silenciosa pelos dormitórios escuros dos servos. Eram corredores estreitos, iluminados por tochas, com quartos pequenos e maltrapilhos. Certamente não cheirava muito bem mas o odor dali era muito melhor que o lado empobrecido da cidade em que esteve.

Assim que viu uma luz escapando pela fresta de uma porta camuflada no fim do corredor seis, soube que já estava perto de seus aposentos. Parou diante desta a abrindo com cautela para que não fizesse ruído. A porta dava direto ao corredor iluminado do andar real, um nome bobo para se referir ao andar que se encontravam os aposentos dos monarcas e seus filhos. Tudo tão enjoativamente dourado e reluzente como se fosse a brigada dos deuses. Mas o piso era um arraso!

Camila não perdeu tempo em cruzar correndo o corredor e entrar de uma vez em seu quarto torcendo para não ter sido notada. No instante em que fechou a grande porta atrás de si, deslizou as costas sob ela até sentar a bunda no chão frio de porcelanato. Seu coração estava alegre e seu corpo aquecido, esteve com um homem de verdade que lhe tratou como uma dama especial. Nunca se esqueceria deste dia, as partes boas pesavam mais que o momento de quase morte, para ela cada segundo foi perfeito. Sonharia com ele naquela noite e em muitas outras, com toda certeza.

Se ergueu com certa avidez para tomar um banho e aprontar-se, deveria estar apresentável para receber seu padrinho.

O banho não foi dos mais demorados, só o suficiente para remover a areia dos pés e o suor do resto do corpo. Deu um jeito de vestir algo que não precisasse do uso de espartilhos ou que não entregasse que estava sem eles já que não havia ninguém por perto para ajudá-la a vestir tal peça. Então teve de se contentar com um vestido mais esvoaçante que dava mais destaque ao busto. Era um modelo clássico que lembrava os tempos medievais, tinha seu charme.
Fez uma trança mal feita enquanto observava seu reflexo no espelho. O item final foi a máscara imitando o rosto de uma escultura melancólica. Não queria usa-la, a odiava completamente. Mas na presença de outros deveria cobrir o rosto, era a regra de ouro da sua vida.

Desceu a imensa escadaria rumo o salão de recepção do palácio. Correu como uma louca deslizando pelos pisos escorregadios bem encerados e esbarrando em alguns artefatos. Assim que chegou nas escadas vermelhas que davam a seu destino desejado, parou. Respirou fundo se recompondo, foi descendo cada degrau como uma lady perfeita faria já que era assim que todos deveriam vê-la.

Ficou de pé diante de alguns membros da corte vendo todos eles se curvarem diante de sua presença. Seu lugar era ao lado do pai enfermo que tentava ao máximo equilibrar-se em uma bengala bem trabalhada no ouro. Era estranho ver um homem tão imponente e robusto cedendo a um vírus desconhecido, suas bochechas rosadas desapareceram a muito tempo, restara somente uma pele pálida sem um pingo de vitamina, até mesmo sua barba e cabelos estavam opacos. Apesar de estar bem acabado o rei se mantinha de pé, com o nariz erguido retendo aquele símbolo de poder absoluto sob sua cabeça. A grande Merty.

Nome dado a coroa que enfeitara a cabeça dos monarcas de Paryus durante varias gerações. Toda a história dos Grandes ancestrais estava esculpida no seu metal dourado, o ouro reluzia estampando toda glória de um reino próspero. A maioria dos homens sonhava em ao menos olhar para ela bem de perto, quem sabe tocar. Mas Camila toda vez que ficava próxima daquela coroa sofria em ansiedade, não queria aquele objeto pesado sob sua cabeça muito menos a responsabilidade que viria junto dela.

O Cravo e a RosaOnde histórias criam vida. Descubra agora