Capitulo 28.

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Abracei o travesseiro outra vez, escondendo meu rosto do olhar inquisitivo de Niall, que terminava de organizar algumas roupas e pertences na mala ao meu lado sobre a cama. Apesar de ter sucesso em minha missão, não foi suficiente para bloquear sua voz; como antídoto, inalei os traços de seu perfume que sobreviviam na fronha a que eu me agarrava feito uma bolinha (insegura) de gente.
– S/N, você não precisa ir se não quiser – ele suspirou, e eu me encolhi ainda mais ao ouvir a resignação em seu tom.
– Mas você quer que eu vá – resmunguei, ainda mergulhada no travesseiro, o que fez com que minhas palavras saíssem abafadas – Não quer?
Ouvi seus passos se afastando da cama e seguindo rumo ao banheiro, sem receber resposta. Alguns segundos de silêncio depois, ousei erguer um pouco a cabeça e inspecionar meus arredores, mas logo retomei minha posição defensiva quando notei seu retorno.
– É claro que eu quero. Eu sempre quero que você esteja comigo, e dessa vez não é diferente, ainda mais agora que...
Sua frase permaneceu incompleta por um momento, durante o qual deixei minha manha de lado e devolvi seu olhar distante com um preocupado, angustiado. Larguei o travesseiro, esticando os braços para segurar uma de suas mãos com as minhas.
– Vem cá – murmurei, puxando-o em minha direção e liberando espaço sobre o colchão para que ele se sentasse. Obviamente, assim que ele o fez, coloquei-me em seu colo, aninhando-o em meus braços com um beijo no pescoço.
– Tudo bem, está tudo bem – disse ele, baixinho, devolvendo o abraço com carinho.
– Não está tudo bem, Niall – refutei, encarando-o com seriedade – Sei que já faz um mês desde que tudo aconteceu, mas o impacto ainda é forte demais para enfrentar sozinho.
– Mas é o aniversário de Ben – ele argumentou, dando de ombros – Não posso simplesmente ignorar isso, nem quero. Não vou me esconder.
– E nem deve – concordei prontamente – Também acho que você deve ir. Sei que Ben sentirá sua falta se você não aparecer.
Niall desviou o olhar do meu antes de falar, sabendo que eu reprovaria o que viria a seguir.
– Não tenho tanta certeza… Ele tem… Outra pessoa para cuidar dele agora.
– Niall Horan, não seja ridículo! – exclamei, e como prova de minha irritação, segurei seu rosto para que ele não pudesse evitar minhas pupilas transbordando determinação – Ainda que ele tivesse trezentas pessoas para tomar conta dele, isso não se compararia ao vínculo que vocês formaram durante o tempo em que conviveram. Ele vai ficar chateado se você não for, tenho certeza absoluta disso.
– E eu vou ficar chateado se você não for! – foi a réplica que recebi, acompanhada de uma expressão de cachorrinho sem dono com vestígios de desespero verdadeiro. Após respirar fundo, ciente de que ele tinha razão em resistir à minha ausência na casa de seus pais, ponderei sua chantagem emocional.
– Eu sei. Eu deveria ir. Harry estará lá, e por mais que eu não queira mais vê-lo nunca mais na vida, só de imaginar vocês dois no mesmo ambiente já me dá um aperto no peito.
– Eu não vou fazer nada de errado – Niall se prontificou a esclarecer, tirando as mãos de minhas costas por um instante para erguê-las em sinal de paz, assim como fez com suas sobrancelhas – Já ele...
Concordei com a cabeça enquanto massageava o lóbulo de sua orelha distraidamente.
– Como sempre, ele é o problema. Depois de tudo o que aconteceu, não podemos ser considerados culpados por não confiarmos nele.
Niall reproduziu minha confirmação silenciosa, com um pouco mais de pesar, no entanto.
– Se bem que... – ele começou, porém precisou de incentivo de minha parte na forma de um afago atrás da orelha para prosseguir – Se bem que ele já conseguiu o que queria, supostamente. Não significa que confie nele, nem um pouco, mas... Talvez dessa vez ele pare de nos atormentar.
A ideia me parecia razoável, embora o receio de estar perto dele, ainda que por algumas horas, não diminuísse nem um pouco com a possibilidade.
– Espero que sim – murmurei depois de alguns segundos de reflexão. Ao perceber que me perdia em pensamentos, ele aproximou seu nariz do meu, novamente com seus olhos de cachorrinho que caiu do caminhão de mudança.
– Espero que você esteja lá comigo para ver.
Disfarcei um sorriso conflituoso que cismou em desabrochar diante de seu charme. A ansiedade que me levara a buscar refúgio no travesseiro há alguns minutos voltou com força total.
– Niall, eu já expliquei que não tenho coragem de pisar naquele lugar depois da última vez em que estive lá...
– S/N, eu já te expliquei que eles não têm nada contra você – rebateu ele assim que minha última sílaba ecoou pelas paredes de seu quarto – Pelo contrário!
– Como pode ter tanta certeza? – retruquei na mesma velocidade. Ele revirou os olhos, todo dramático.
– Pirralha, você caiu nas graças da última pessoa que imaginei que gostaria de você. Tem certeza de que quer continuar discutindo?
Ambos rimos brevemente da menção à amizade inesperada entre Elliot e eu. De fato, aquele era um ponto fortíssimo a seu favor. Mesmo assim, lancei-lhe um olhar cético.
– É diferente, e você sabe.
– Só o que sei é o que já disse – ele afirmou, balançando negativamente a cabeça em resposta ao meu desconforto – Ninguém na minha família tem motivos para não gostar de você.
Nossos olhos traduziram a profundidade do dilema que se camuflava na atmosfera amena de nosso debate. Quando Niall voltou a falar, essa profundidade estava presente em sua voz, fazendo-a soar mais grave do que há poucos segundos.
– Se existem motivos para que se sintam de alguma forma em relação a você, eles são inteiramente positivos. Você abriu nossos olhos... Você aliviou Emily de um fardo terrível. Graças a você, Ben evitou um drama ainda maior do que a atual confusão, da qual ele se lembrará vagamente no futuro. Só de imaginar o caos em sua mente caso ele soubesse a verdade anos mais tarde... O que você pensa ter sido algo doloroso, vergonhoso, repudiável, nos libertou de uma tempestade ainda mais tenebrosa. Harry é o alvo de nossas desconfianças e decepções, não você, a pessoa que nos fez enxergar a realidade, a única pessoa que poderia ter feito isso da maneira limpa e discreta que fez.
Seu discurso aniquilou completamente qualquer possível resposta que estivesse esperando em minha garganta. Apenas sustentei seu olhar sincero, disposto a me oferecer o mundo, o universo e todos os outros universos existentes para que eu acreditasse no que dizia, com a respiração levemente acelerada pela emoção que aquecia meu peito. Niall beijou o canto de minha boca e então dirigiu a sua até minha orelha para concluir o argumento que enfim me faria ceder.
– Todos são eternamente gratos a você. E eu também... Por muito mais motivos do que esse.
Encolhi-me em seus braços, arrepiada da cabeça aos pés, sentindo-me amada da cabeça aos pés. Percebendo a eficácia de sua declaração, e a consequente mudança de decisão que eu estava prestes a anunciar, ele riu baixo em meu ouvido, ao mesmo tempo em que sua mão experiente escorregava de meu joelho para a parte superior de minha coxa, somente satisfeita quando as pontas dos dedos encontraram o tecido da samba-calção que eu roubara de sua gaveta mais cedo naquela manhã de sábado.
– Está bem – murmurei, praticamente ronronando sob o efeito dos beijinhos que ele depositava em meu pescoço e ombro – Eu vou.
Cerca de uma hora depois, passamos em minha casa para que eu também reunisse algumas roupas e pertences numa mala. Durante todo o tempo, mamãe se juntou a nós, ajudando-me a agilizar o processo e mantendo uma conversa amigável com Niall, deitado em minha cama, dividindo o estreito colchão com a mochila que eu rapidamente enchia, com um de meus bichinhos de pelúcia em seu colo. Trocamos vários olhares cúmplices ao recordarmo-nos de quando aquela cena aconteceu pela primeira vez, na noite do baile de primavera, seguida da manhã em que quase fomos pegos no flagra e que resultou em seu salto de minha janela sem que minha querida progenitora sequer percebesse. E novamente, ela não notou a faísca de lembrança em nossos olhos, ou fingiu não notar.
– Tem certeza de que está pronta para voltar àquela casa? – ela murmurou alguns minutos depois, já diante da porta de casa. Olhei por sobre meu ombro, vendo Niall colocar minha mochila no bagageiro, e suspirei antes de responder, com um sorrisinho otimista.
– Tenho. Ficarei bem.
Mamãe assentiu, também olhando na direção dele, e acenou, em resposta ao gesto de despedida que imagino que tenha feito. Logo em seguida, nos abraçamos rapidamente.
– Cuide-se. Qualquer coisa, é só ligar.
– Pode deixar – respondi, descendo os degraus da soleira devagar – Cuide-se você também. Amanhã à noite estarei de volta.
Caminhei até o carro e acomodei-me no banco do carona, onde confortavelmente passei cerca de uma hora ouvindo música e jogando conversa fora com o belo motorista que nos levava até a casa de sua família. Por mais que tivéssemos resolvido nosso primeiro impasse mais cedo, ainda restava uma apreensão latente, um incômodo diante do iminente encontro indesejado com Harry. Contornamos a situação como pudemos no limitado espaço interior do carro, vez ou outra apenas curtindo a trilha sonora com o olhar perdido no vasto espaço do mundo exterior ao nosso redor.
A imponente cerca viva que circundava a casa dos Horan se aproximou sem demora, e com ela se desfez nossa pequena cerca imaginária contra as preocupações que as próximas horas reservavam. Niall parou diante do portão, esperando sua abertura; percebi que seus dedos se fecharam ao redor do volante, em sinal de nervosismo. Instintivamente, levei uma mão ao seu braço e o apertei de leve, recebendo um sorriso sereno que não atingiu seus olhos, estrategicamente escondidos sob as lentes dos óculos escuros. Ele estava tenso, e não o culpei, pois também estava. No entanto, naquele instante, seus esforços para manter-se calmo eram muito maiores do que os meus, sem sombra de dúvida. Eu podia sentir sua instabilidade emanando de cada poro, por mais que ele mantivesse a fachada de tranquilidade que talvez pudesse enganar alguns de seus parentes.
Naquele breve instante, que não durou mais do que meio minuto, fiz a única coisa em que pude pensar para demonstrar meu apoio.
– Ei – cochichei para que ele voltasse a me olhar, e quando o fez, levei as mãos à corrente prateada ao redor de meu pescoço. Niall apenas me observou passar o colar por minha cabeça, e então passá-lo pela sua, abrigando o pequeno talismã sob a gola de sua camiseta. Minha mão repousou sobre seu peito, sentindo os batimentos cardíacos um tanto acelerados reverberarem contra minha palma; meus lábios repousaram sobre os dele num beijo breve, porém significativo, que me permitiu transmitir a mensagem desejada sem emitir um som.
Você precisa dele mais do que eu.
– Obrigado – ele soprou enquanto nossos rostos ainda estavam próximos, ao que balancei a cabeça, pois seu agradecimento não era necessário.
Os portões se abriram e seguimos jardim adentro, até a frente da casa. Reunimo-nos após sair do veículo, caminhamos de mãos dadas até as escadas da mansão, e subimos juntos (eu com o braço livre envolvendo o dele, ele com a mão livre sobre o meu) os degraus em que há um mês e meio nos despedíramos – pela última vez, eu esperava.
– Querido! – Audrey exclamou ao nos ver à entrada da sala de estar, dando seu melhor sorriso – Ah! E querida!
Todos rimos de seu adendo, e trocamos abraços carinhosos. Ela tocou meu rosto com genuíno deslumbre, analisando-me atentamente, e apesar da nítida diferença no teor de suas intenções, reconheci em suas íris o mesmo brilho que tanto vira nas de seu filho. Disfarcei a enorme felicidade que seu gesto despertara em mim com um sorrisinho encabulado. Niall apertou minha mão, e quando lancei-lhe um olhar emocionado, vi que ele também fora tocado pelo ato acolhedor da mãe.
– Obrigada – murmurei após reencontrar minha voz, ao que ela reagiu com um aceno gentil.
– Nós é que agradecemos. Você é muito bem-vinda aqui.
Abri a boca para agradecer novamente, mas não tive a chance de dizer uma palavra, tendo o momento ternura bruscamente interrompido por um grito estridente.
– Vocês chegaram!
Todos nós pulamos, e Niall e eu olhamos para trás, não com o intuito de reconhecê-lo, já que tal reação inconfundível só poderia ter vindo de uma pessoa.
– Elliot!
Imitei seu sorriso eufórico e corri em sua direção, com os braços esticados para a frente assim como ele. Abraçamo-nos como se não nos víssemos há muito tempo, e de fato, desde nosso último fatídico encontro, nossa amizade crescera vertiginosamente. Falávamos um com o outro praticamente todos os dias desde então, fato que ainda espantava Niall.
– Que bom que ele te convenceu a vir – Elliot riu, quando nos reaproximamos dos outros presentes, e também cumprimentou o primo com um abraço, tão carinhoso quanto o meu, embora menos empolgado – Essa sabe ser manhosa quando quer, não é mesmo?
– Ah, sabe – ele respondeu com uma risada convencida, e ergueu as sobrancelhas – Mas eu sei convencê-la muito bem.
– Pelo amor de Beyoncé, parem de esfregar todo esse amor na minha cara! – resmungou Elliot com a expressão enojada, abanando as mãos diante do rosto como se algo cheirasse mal – Tenha um pouco de respeito pela sua família!
Gargalhadas preencheram a sala, e uma sensação de conforto se estabeleceu sobre nós, um conforto que eu não esperava sentir, muito menos tão depressa. Meu coração estava mais tranquilo, ainda que a principal ameaça estivesse por vir.
– Vamos pro meu quarto fofocar enquanto seu hombre leva as malas lá para cima – disse meu mais recente amigo, sem esperar resposta, já me puxando rumo à escadaria principal. Tentei ancorar-me a Niall, incerta de que o melhor a fazer era nos separarmos tão cedo, mas ele assentiu discretamente, certo de que ficaríamos bem com as atuais companhias, e murmurando um “até daqui a pouco” antes de me ver ser arrastada degraus acima, com um sorrisinho divertido.
Por mais que tenhamos rido e tagarelado a ponto de enxugar lágrimas dos cantos dos olhos e sentirmos as gargantas secas, parte de mim continuava preocupada com meu namorado. Embora eu soubesse que a festa de aniversário de Ben só começaria dali a duas horas, a consciência de que Harry poderia aparecer a qualquer momento me perturbava como se ele já estivesse ali, bem atrás de mim, e por mais que eu olhasse por sobre meus ombros, não podia enxergá-lo.
– Entendi, você quer voltar pro seu bofe, é isso – Elliot suspirou, deixando o celular de lado depois de postar uma foto nossa no Instagram – Você não me engana com esse arzinho melancólico e essas olhadas pela janela.
Esfreguei os olhos com as pontas dos dedos, sinceramente envergonhada, mas incapaz de desmentir a veracidade de sua constatação.
– Desculpe... Estou nervosa com essa festa. Você deve imaginar o motivo.
– Claro, e não tiro sua razão – disse ele sem pestanejar – Eu também estaria em seu lugar. Na verdade, mesmo não estando em seu lugar, estou um pouco apreensivo.
– Pelo que você me disse, ele tem se comportado bem durante suas visitas – comentei, cruzando as pernas sobre sua cama – Espero que essa boa conduta se mantenha hoje.
Elliot concordou com a cabeça, e sua postura transmitia tranquilidade. Ele era a fonte mais confiável que eu tinha a respeito do comportamento do ilustríssimo convidado que me causava certa dor de cabeça, portanto sua opinião valia muito.
– Ele não é doido de aprontar alguma coisa com tanta gente em volta, especialmente agora que conseguiu o que tanto queria, comprovar sua paternidade. Sério, essa tensão de vocês é totalmente justificável, mas tenho 99% de certeza de que tudo correrá bem, e Harry não os importunará.
– O 1% é o que me estressa – confessei, mas dei de ombros logo em seguida – Enfim, não posso prever o futuro. Teremos que esperar para ver.
– Relaxa, mulher, vai dar tudo certo! – ele disse, colocando as mãos sobre meus ombros e dando um apertão que fez com que eu me contorcesse contra o encosto da cama – Agora vamos encontrar seu homem antes que todo esse seu nervosismo me deixe com acne.
Ainda rindo de sua massagem relâmpago e também de sua frase exagerada, deixamos o quarto e exploramos o resto da casa em busca de Niall; levamos algum tempo para enfim encontrá-lo no jardim, enchendo balões de ar com o pequeno aniversariante e sua mãe.
– Não acredito que não me chamaram para esse belíssimo ritual! – Elliot guinchou, apressando-se para ocupar o espaço livre ao lado da irmã sobre a toalha estendida na grama – Venha ajudar, S/N, todo par de pulmões é bem-vindo quando o assunto são bexigas coloridas.
Assenti prontamente, mais do que disposta a ajudar, mas a fragilidade do momento compartilhado por Ben e o tio, que até pouco tempo achava que era seu pai, manteve meus pés grudados a uma pequena distância do trio, que agora se tornara um quarteto, feliz, de bochechas coradas após tanto soprar. Niall retribuiu meu olhar comovido com um contente, verdadeiramente pleno, que dissipou a neblina de preocupação em minha mente. Acalentada pela alegria em seu sorriso, e também pelo doce cumprimento que recebi de Emily (“sim, por favor, junte-se a nós”) e de seu filho (“você e o tio Elliot enchem as bexigas rosa e verdes, eu e tio Niall enchemos as amarelas e azuis”), sentei-me sobre a estampa xadrez e contribuí com o máximo de gás carbônico que pude.
Graças ao reforço à equipe, todos os balões foram devidamente soprados, amarrados e organizados com barbante em enfeites aleatórios – a especialidade do “tio Elliot”, segundo Emily, o que fez seu primo rir ao se recordar de alguma lembrança que ele narraria mais tarde durante a festa, e que também me faria rir – e então colados às paredes, pilares, portas, beiradas de mesas... Enfim, quaisquer superfícies horizontais desocupadas. Tão empolgado com sua missão de enfeitar a casa com bexigas, e também contagiado pela eletricidade do sobrinho, que saltitava em seu encalço para onde quer que fosse para orquestrar a decoração, Elliot chegou a colar uma bexiga em minha testa, como se fosse um chifre azul pendendo para a frente.
– Vejam só, a tia S/N virou um unicórnio! – ele riu, admirando sua obra-prima, e eu balancei a cabeça repetidas vezes para intensificar o efeito dramático de seu feito. Não havia uma pessoa que estivesse por perto, fosse da família, fosse do grupo de funcionários que trabalhavam na casa, sem um sorriso no rosto, infectados por nossas risadas, não só nesse momento, mas durante todo o tempo em que trabalhamos em conjunto na arrumação para a chegada dos convidados.
O céu já exibia nuances alaranjadas quando Niall declarou o fim dos preparativos.
– Tudo certo, pessoal, agora podemos seguir para nossos respectivos cômodos e ficarmos lindos e cheirosos para a festa do... De quem mesmo?
– Ei! – Ben reclamou, puxando a blusa do tio com falsa revolta – É a minha festa!
– É a sua festa! Rargh! – ele repetiu, erguendo o menino do chão e fingindo que mordia sua barriga, enquanto o pequeno lutava como podia, contorcendo-se e implorando por misericórdia. Cobri a boca com uma mão, abafando uma gargalhada, e percebi que Emily cruzou os braços sobre o peito ao meu lado, lutando contra a mesma reação.
– Niall, ele vai ter outra crise de asma, cuidado – ela advertiu, e não precisou repetir. Sua hilária tortura acabou, mas ele manteve a criança nos braços, vendo-o apontar para a faixa a alguns metros dali que dizia “Feliz Aniversário, Ben!” e ouvindo-o explicar com o melhor de sua capacidade, ainda que alguns problemas de dicção persistissem, que aquela era a sua festa e que naquele dia ele completava sete anos de vida. O interlocutor atento se desculpou pelo breve e descabido esquecimento, e libertou o garoto após trocarem beijos gostosos nas bochechas.
– Como você pôde esquecer de quem é a festa? – brinquei ao vê-lo caminhar até mim, sem conseguir disfarçar o sorriso causado pela fofura do que acabara de presenciar – Já está ficando gagá, senhor Horan?
– Não me venha com esse papo de velhice, ou terei que refrescar a sua memória em relação a alguns assuntos, como por exemplo... – retrucou ele, passando um braço ao redor de minha cintura, e o resto de sua resposta foi sussurrado ao pé de meu ouvido, causando-me arrepios e risinhos envergonhados.
– Vamos para o quarto – pedi, já sentindo a respiração prejudicada depois de alguns segundos indecentes de sua voz rouca narrando momentos ainda mais indecentes somente para que meus tímpanos a captasse – Por favor...
– Só se me ajudar a subir as escadas – ele impôs, afastando-se para exibir a curva maldosa que moldava seus lábios – Estou um pouco sem fôlego... Sabe como é, a idade chega para todos.
Dei um tapa em seu braço, mostrando a língua da forma mais imatura que pude, antes de puxá-lo pela mão casa adentro.
– Vamos lá, vovô.

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