Luto e tentações - Parte 6

8 2 0
                                    

-------------------------------👻---------------------------------
Não esqueça de votar no capítulo para proporcionar maior visibilidade para história e incentivar que continue!
-------------------------------👻-----------------------------------

Em quanto tempo se resolve um luto? Uma semana? Um mês? Seis meses? Após aquele acidente, alguns pais e mães desenvolveriam Transtorno do Luto Complexo Persistente e continuariam a sofrer por anos a morte dos filhos a ponto de prejudicar suas carreiras individuais. Durante o primeiro mês, cerca de duas mães e um irmão vieram em frente a minha casa reclamar a vida de seus queridos como se nós tivéssemos alguma responsabilidade por eles. Para piorar, eu tinha a impressão de ver seus familiares mortos juntos comigo várias vezes ao dia.

A escola precisou de três semanas para reclamar minha presença na sala de aula, me dando uma semana de aviso prévio. Nas primeiras duas semanas, não houve aula na São Gilberto, até porque a policia ia e vinha do local para investigar pistas do acidente. Na terceira semana, os alunos não envolvidos diretamente na tragédia retornaram, sobrando apenas, euzinha.

Fui questionada se não pretendia continuar os estudos com aulas particulares em casa, ficaria difícil financeiramente aos meus pais, porém se sacrificariam por meu bem-estar. Neguei. A solidão do lar, na minha opinião, estava sendo bem pior que o ambiente tumultuado na escola. As minhas esperanças se retinham na possibilidade de me distrair dos pensamentos e esquecer as visões durante as aulas. Teoria bastante ingênua olhando retrospectivamente.

Da última vez que tinha pisado na escola, parecia ter entrado numa nuvem tóxica e asfixiante, agora, eu que parecia ser a nuvem tóxica e asfixiante adentrando o local e sufocando os alunos e até alguns professores. Os olhares eram de receio, de aversão ou mesmo de indiferença. Sentava-me agora no canto esquerdo do fundo, onde ninguém se aproximava a menos de duas carteiras de distância. Os professores evitavam aquele quadrante e eu também os poupava de perguntas ou qualquer barulho que desviasse suas atenções.

Nos intervalos, ou continuava na minha carteira mexendo no celular, ou ia até a biblioteca ler algo. Não vou dizer que fui excluída o tempo todo. Apareceram sim algumas pessoas, tanto para compartilhar boas emoções de eu me encontrar viva, como conversar qualquer trivialidade para passar o tempo. Porém, no fundo todos sabíamos que permanecia encoberta com um véu de solidão tão denso que nenhuma amizade parecia ter chances de ultrapassá-lo. E com o passar dos dias, vieram as importunações.

Antes de tudo, as importunações internas. Minha menstruação estava descontrolada. Quando começou a vim, depois do acidente, era como uma represa transbordando, em grande volume, mas por pouco tempo. Mas depois se tornou indefinida. Poderia surgir a qualquer dia, independente do horário e da forma que quisesse, mas sempre com uma cólica intensa que se assemelhava a um corte de espada por entre as tripas (pelo menos, assim eu achava).

Havia buscado, primeiramente nos absorventes, porém, acabavam encharcados e muito incômodos. Então tentei num anticoncepcional que comprei na farmácia, mas eu teria que usá-lo no primeiro dia da menstruação, regra que a minha não seguia. Que seja, não estava com medo de engravidar mesmo, usei em um dia qualquer e fui seguindo os dias. No oitavo dia de uso, quando meu fluxo havia desaparecido há dois dias, me senti aliviada. Um problema a menos.

Pelo menos, foi assim até no intervalo da aula de matemática, quando fui atingida por um nó nas tripas e um ardor no ventre. Merda! Levantei e fui depressa até o banheiro mais próximo parecendo uma criança com diarreia com medo de melas as calças. Forcei os passos até alcançar o vaso sanitário e despejar o maldito sangue lá dentro. O calor do meu corpo desparecia da cabeça até o ventre, era como se o sangue fugisse das veias e fosse ao meu útero. E se pouca desgraça é bobagem, percebo diante de mim, marcando o caminho que percorri da sala até o banheiro, gotas de sangue pelo chão.

A RESSONÂNCIAOnde histórias criam vida. Descubra agora