VI - Persuasão

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O porão estava silencioso até a porta se abrir, fazendo os passos do Don e seu Sottocapo ecoarem pelo recinto, com um gato caminhando logo atrás de ambos.
O visitante da noite estava amarrado em uma cadeira, com as mãos atadas nos descansos de braço. Seu rosto estava inchado e com vários ferimentos, provavelmente depois de um bom conflito físico com Fugo. Ele usava um óculos com lentes vermelhas, que haviam quebrado na luta e alguns dos cacos estavam perfurando a pele de seu rosto.
Giorno sentiu o cheiro de sangue fresco antes mesmo de entrar ali.
Ele se escorou em uma mesa, atrás do refém e fez um sinal para Mista, que assentiu e respirou fundo, quase como se estivesse se preparando para interpretar um personagem.
O pistoleiro era extremamente habilidoso quando se tratava de arrancar informações na base da violência.
– Nosso querido Fugo deve ter te dado um trabalho e tanto, né? – Mista perguntou, caminhando até estar de frente para o homem, notando a expressão assustada dele ao ver as manchas de sangue em sua roupa. - Vamos deixar as coisas mais simples para nós dois... Eu faço umas perguntas e você responde na boa, pode ser? – ele perguntou, recebendo apenas o silêncio novamente. – Qual é o seu nome?
– Noé. – o homem respondeu. – Noé da sua conta.
Mista tensionou o maxilar e lançou um olhar para Giorno, vendo-o assentir. O pistoleiro suspirou e virou-se para a mesa de metal, com várias ferramentas diferentes na superfície.
– Você se acha engraçadão, né? Mas deixa eu te perguntar... – ele ironizou, segurando o cabo de uma chave de grifo e movimentou rápido o braço, acertando um golpe forte com a ponta da ferramenta no joelho do homem, ouvindo-o soltar um grito estridente com a dor, junto com o ruído dos ossos se quebrando. Ele puxou os cabelos do refém, forçando-o a levantar a cabeça. – Você tá me vendo rir, porra?! – Mista questionou novamente, recebendo grunhidos doloridos e silêncio mais uma vez. Ele alcançou algo na mesa novamente, uma carteira de motorista. – Vito Taralli... Esse é o seu nome real ou uma identidade falsa?
O refém continuou quieto por alguns segundos, mas ao ver Mista erguer a chave de grifo para acertar mais um golpe, soltou um grunhido alto e se encolheu na cadeira.
– São os meus documentos legítimos! – ele exclamou.
– Vai começar a cooperar? Que ótimo! – Mista sorriu ironicamente, jogando a ferramenta por cima do ombro e fazendo um estrondo quando caiu no chão de concreto. – Olha... Você deve saber que o Stand do meu chefe consegue repor tecido humano... Não importa quanto tempo você tente ganhar, essa sessão de tortura vai durar dias... Ou até semanas. – o pistoleiro explicou, dando de ombros. – Pelo que eu entendi, seu Stand só faz efeito se você tocar em uma pessoa com as mãos... Mas por que gatos?
Taralli desviou o olhar, novamente sem dar uma resposta. Mista já estava a ponto de perder a paciência.
– Imagino que seja porque é mais fácil transportar um animal doméstico do que uma pessoa sem documentos de identificação... – ele ponderou, virando-se para a mesa e observando as ferramentas. – De que gangue você é? Com certeza não é da Passione... Se fosse, já teríamos catalogado seu Stand... Camorra? 'Ndrangheta, talvez?
O homem engoliu em seco.
– É uma organização própria. – murmurou.
– Uma organização própria para arrastar pessoas, até crianças, de outros países para trabalho escravo e prostituição. – Mista completou e Giorno estalou a língua, furioso. O pistoleiro ergueu o olhar para ele, vendo-o pegar um punhado de pequenos parafusos em uma caixa de papelão. – Quantas crianças vocês já trouxeram de outros países?
Taralli bufou, virando o rosto.
– Pouco mais de dez. – ele respondeu. – Os bordéis pagam mais quando são mais novas.
– E quem mais está envolvido? – Mista questionou, recebendo apenas o silêncio pela milésima vez. Ele respirou fundo, usando o pé para empurrar a cadeira para trás e fazendo-a cair com as costas no chão. – Você só tá dificultando as coisas para nós dois, amigo. Eu poderia cortar fora os seus dedos um por um, mas... Não tô muito afim de fazer uma bagunça daquelas. – o pistoleiro pegou um pano espesso e uma garrafa de água, colocando o tecido no rosto de Taralli. – Vamos ver se assim você muda de ideia.
Mista despejou a água no tecido, logo sobre o nariz e a boca do homem, vendo-o prender a respiração por vários segundos, se debatendo para conseguir tirar o pano do rosto.
– Anda, desembucha. – o pistoleiro disse, erguendo o tecido para deixá-lo falar. – Quem está envolvido? – Taralli apenas tossiu, cuspindo um monte de água. Mista abaixou o pano novamente e derramou mais água. – É melhor abrir logo essa boca antes que você acabe se afogando, hein...
Ele repetiu o gesto algumas vezes, sem conseguir arrancar nada do homem, que lutava para conseguir respirar direito. Ao ouvir os passos de Giorno se aproximando, Mista levantou a cabeça.
– Esse aqui tá se fazendo de durão... O que você acha, chefe? – o mais velho perguntou. – Consegue quebrar ele?
Taralli ficou pálido ao olhar para cima e ver o Don de perto. Aparentemente ele não havia notado que estava em sua presença.
– Eu tenho algo especial para ele. – Giorno disse, com uma calma assustadora, indicando que Mista levantasse a cadeira. O loiro passou um braço pelos ombros do refém, como se fosse sussurrar algo em seu ouvido. – Bom, signore Taralli... Você deveria agradecer que era o Mista quem estava lhe interrogando... Os meus métodos são mais... Intensos. – ele mostrou o punho fechado e o abriu, deixando cair dezenas de aranhas pequenas no peito do homem, que logo começou a hiperventilar. – Essas são aranhas armadeiras, nativas do Brasil, são conhecidas como a espécie de aranha mais venenosa do mundo... A picada de uma pode não matar imediatamente, mas de várias assim... É outra história.
Os pequenos aracnídeos rastejaram pelo corpo de Taralli, ameaçando ferir sua pele com as presas, armando-se em posições de ataque como uma ameaça silenciosa.
– Você é um psicopata. – balbuciou, com a voz trêmula.
– Perto de gente como você, eu sou um santo. – Giorno rebateu. – E eu começaria a falar logo se fosse você... Essas gracinhas sentem o seu medo, sabia?
Algumas aranhas começaram a subir pelo seu rosto, fazendo-o fechar a boca com força para não deixa-las entrar. O homem conseguia sentir até elas entrando por debaixo de sua roupa.
– Hum... Acho que vou ter que aumentar um pouco o nível... – o loiro pôs uma mão no queixo, pensativo. Ele pegou mais um punhado de parafusos, para transformar em aranhas, e Gold Experience apareceu, segurando o rosto de Taralli e forçando-o a abrir a boca. – Você teve diversas oportunidades de evitar essas punições... Não sei se você é masoquista, covarde ou simplesmente estúpido... – Giorno estendeu o punho logo acima da boca do refém. – Mas, no momento, você não está em posição de temer a alguém mais do que a mim.
Taralli começou a berrar e tentar desvencilhar a cabeça das mãos do Stand em desespero, sem nenhum sucesso.
Mista assistia em silêncio, quase como se estivesse hipnotizado novamente. Não gostava de aranhas, eram esquisitas, venenosas e... Tinham patas demais (QUATRO em cada lado!!! Um absurdo da natureza!!!).
Era impressionante o contraste de seus dois métodos de arrancar informações. O pistoleiro costumava usar violência física, tanto que os alvos muitas vezes acabavam com ossos quebrados, dedos decepados e entre outras barbaridades que até ele mesmo precisou de anos para se acostumar. Giorno visivelmente tinha preferência pela tortura psicológica... Também parecia ser muito mais eficaz.
Taralli balançou as pernas, tentando falar com a boca aberta. Gold Experience o soltou e ele arfou.
– R-Rosmarino! Orzo Rosmarino lidera essa associação!
Giorno franziu o cenho e olhou para Mista, que estava com uma expressão igualmente surpresa no rosto.
Orzo Rosmarino era um empresário e político muito conhecido em Nápoles. Tinha diversos bares e locais de festa pela região, e além de já ter sido eleito como deputado, estava disputando nas eleições para prefeito.
O loiro estalou a língua e Gold Experience agarrou o rosto do refém, abrindo sua boca novamente. Taralli começou a berrar.
– Eu tenho mais alguns pedidos... – Giorno começou. – Desfaça o poder do seu Stand, eu preciso do Fugo de volta.
O gato branco no canto do porão foi rodeado por uma névoa por alguns segundos. O corpo de Fugo estava voltando ao normal, enquanto o rapaz tossia com força, abanando uma mão para dispersar a fumaça e alguns dos pêlos que ficaram à sua volta.
– Valeu, hein... Babaca. – rosnou, nem reparando que estava completamente nu. – Eu vou cuspir pêlos de gato pelo resto da minha vida.
Mista assobiou alto para chamar sua atenção e jogou-lhe uma manta. Fugo tossiu envergonhado e se cobriu, resmungando xingamentos enquanto subia as escadas para a sala.
Taralli ainda estava mantido com a boca aberta, tremendo da cabeça aos pés. Giorno abriu o punho e, o que o refém achou que fossem mais aranhas, eram apenas os parafusos que caíram em sua boca. O homem sentiu sua alma praticamente sair do corpo por um segundo e cuspiu as peças, sentindo os outros aracnídeos em seu corpo se transformarem de volta.
– Não me olhe com essa cara, elas não iriam te matar só com uma mordida. – Giorno ironizou, andando até às costas da cadeira e deixando as mãos nos ombros do refém. – Eu, por outro lado...
O loiro cravou os dentes no pescoço de Taralli sem nenhum aviso. O homem sequer conseguiu gritar ao sentir seu sangue ser drenado, suas mãos se fecharam com força, na tentativa de se debater para se soltar.
Demorou alguns minutos para que ele parasse de se contorcer e Giorno se afastasse, limpando a boca com as costas da mão. Vito Taralli estava pálido, já frio e sem vida.
– Acabamos por enquanto... Agora precisamos ter uma conversinha com o signore Rosmarino. – Giorno disse, ajeitando sua blusa e alcançando uma câmera Polaroid. Ele rapidamente tirou algumas fotos do corpo, logo sendo reveladas. – Vamos.
– Só um minuto. – Mista disse e chutou o peito do homem, fazendo a cadeira cair no chão novamente. Ele tirou a pistola da calça e acertou três tiros brutais no rosto do cadáver.
O loiro arqueou uma sobrancelha.
– Ele já estava morto. – disse.
– Eu sei, só... – o pistoleiro resmungou, claramente furioso. – Fiquei estressado.
Giorno inclinou o rosto para o lado, um gesto típico de quando ele colocava sua analítica perfeita em prática.
– Estressado por que? – ele perguntou. – Por ele não ter dado as informações de cara? Nós já passamos por interrogatórios bem mais longos que esse...
– Não, só... Esquece. – Mista grunhiu, caminhando à passos pesados até a escada. – Vou marcar uma reunião com o Rosmarino e chamar alguém pra limpar isso.
Giorno decidiu não continuar a insistir, por mais que essa reação do mais velho estivesse incomodando.
Será que foi por causa do que aconteceu mais cedo? Mista realmente pediu, com todas as palavras, para que Giorno o beijasse, mas... E se ele tivesse mudado de ideia de repente? O pensamento fez o loiro sentir um aperto forte em seu peito.
Ele subiu as escadas em silêncio, indo até seu quarto, com os pensamentos martelando diversas vezes em sua cabeça.

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