Capítulo XIV

160 22 4
                                    

No passado, em Iúna, um município brasileiro do Estado do Espírito Santo. Rafaella e Gizelly se encontram com 14 anos.

- Eu a amo.

Continuação...

Povs Gizelly

- O que disse Gizelly? - Vejo minha mãe entrar em meu campo de visão me trazendo de volta a realidade. - Menina, você está me deixando preocupada, que cara é essa?

- Não disse nada mãe. - Minto. - Acho que não estou me sentindo bem, - o que não era mentira, sentia meu estômago girando e se contorcendo enquanto andava em direção ao meu quarto.

Enquanto minha mãe preocupada me seguia para se certificar de que ficaria bem tentava ao máximo fingir que estava de fato. Disse a ela que apenas tinha visto um bicho no meio do caminho que me assustou e ela mesmo não acreditando nem um pouco nas minhas desculpas logo me deixou sozinha no quarto. Estava assustada sim, isso era fato, mas seu assombro tinha nome, sobrenome e um endereço muito perto dali.

Na manhã seguinte, depois de muito refletir sobre todo o dia anterior, achei melhor fingir que nada tinha acontecido, seria melhor assim para ambas. Me arrumei mais do que deveria, cumprimentei minha mãe com uma falsa animação e sai, estava nervosa demais para ver Rafaella de novo para comer alguma coisa.

Andei lentamente apertando a alça da mochila nos meus ombros, comprimi os lábios em uma fina linha quando avistei a casa ao lado, respirei fundo e chamei por Rafaella, logo sua mãe apareceu na porta avisando que a garota já havia ido pra escola.

- Ta bom tia obrigada.

Agradeci antes de continuar andando. Ela foi sem mim, fiquei pensando, e em todos esses anos de amizade nunca fiz o caminho até a escola sozinha. Queria chegar atrasada então no meio do caminho escrevi um bilhete e falsifiquei a assinatura de minha mãe, justificando o atraso.

No intervalo, por sermos de salas diferentes devido a Rafaella ser um ano mais nova, a procurei pelo pátio e a encontrei escorada no muro da quadra cheia de risadinhas com um grupinho de pessoas. Não dava para acreditar no que estava vendo. Conseguia sentir o sangue subindo do dadão do meu pé até enfurecer os meus olhos, quando me dei conta já estava marchando em direção a eles. Assim que nossos olhos se encontraram, Rafaella investiu em Carlos, o menino mais velho que fazia bullying com nós duas no primário e o beijou. Não me aguentei e a segurei pelo braço a virando para mim.

- Você enlouqueceu? - Perguntei com o tom de voz alterado.

- Me larga Gizelly, - ela se desfez do aperto bruscamente - me deixa em paz.

- Te deixar em paz? Qual é o seu problema? - Eu sentia nojo, mas a raiva ainda consumia quase todo o meu corpo. - Esse cara faz bullying com você, Rafaella desde sempre, e você tá aí beijando ele como se nada tivesse acontecido.

- Ela tá com ciúmes. - O garoto falou puxando Rafaella para perto dele, ele tinha um sorriso presunçoso no rosto e me fez querer dar um soco em seu rosto outra vez. - Não é, Maria João?

- Você vai mesmo ficar aqui com ele? - Ignorei o comentário do infeliz focando apenas em Rafaella. Implorava com os olhos, para que dissesse que não, que não iria se humilhar a isso.

- O que eu faço da minha vida não é da sua conta - mas as palavras dela me atravessaram.

- Agora estamos namorando. - Encarei seus olhos que logo desviaram dos meus, não poderia ser real toda aquela palhaçada, mas, por hora me sentia quebrada e real ou não, machucava muito. O garota passou seu braço pelos ombros dela. - Ouviu sapatinho, cai fora que tenho planos com a minha namorada.

- Você é patética. - Falei limpando a lágrima antes que escorresse pelo meu rosto, trinquei os dentes. Odiava aquele menino por todo o terror que fazia com os outros alunos e ver Rafaella com ele foi a pior coisa que já aconteceu.

- Vem Gi, vamos sair daqui. - Vitor Hugo, meu melhor amigo que observava a cena me puxou pelo braço. Não me opus, e me deixei ser guiada por ele. Quando estávamos longe o suficiente, entramos no banheiro masculino da quadra e desmoronei de chorar em seus braços. Estávamos sentados em uma cabine, ele segurava minha mão enquanto eu chorava baixinho. - Fica aqui que eu já volto. - Disse ele se levantando.

- Não me deixe aqui sozinha. - Implorei.

- Eu volto num segundo. - Ele saiu e voltou logo depois com nossas bolsas. - Vem, vamos dar o fora daqui e quebrar umas garrafas.

Sorri cúmplice e segurei sua mão que me foi estendida. Esperamos o sinal bater para pular o muro, Vitor fez pezinho para que eu conseguisse pular primeiro e veio logo depois, assim que nos vimos livres corremos sem olhar pra trás.

Passamos o resto da manhã em cima do telhado da minha casa, cada um com seu estilingue. Eu era muito boa de mira e estávamos competindo pra ver quem acertava no alvo pintado na árvore alguns metros. Pelo menos consegui me distrair um pouco, mas não o suficiente.

No fim da rua já conseguia ver Rafaella chegando com o seu novo namorado. Aquilo me quebrou por dentro, queria apedrejar eles dois. Vitor não tinha percebido. Assim que o casal mais sem graça já existente chegou perto e estavam prestes a se despedir com um beijo, puxei a pedra com toda força no elástico de borracha e mirei no chão próximo a eles, soltei a pedra presa na base de borracha com o cotovelo ainda pro alto. A pedra quicou no chão e acertou o tornozelo dela, bem feito.

- Gizelly! - Falou irritada. Mostrei o dedo do meio e desci do telhado, me poupando de ver o casal se despedindo.

Os dias foram se passando e o clima entre nós estava o pior possível. O meu aniversário seria daqui a três dias, e o sentimento de antes, de não ver a hora de ter a minha festa estava para lá de esquecido, me sentia cabisbaixa, irritada, soltando os cachorros de graça a qualquer um, sem entender bem o motivo do meu temperamento tão instável. Não bastasse isso, o pior aconteceu, uma tempestade passou pela cidade e arruinou tudo. Tivemos que cancelar a festa, o que foi motivo de muito choro.

Era de madrugada, a chuva ainda caia muito forte, não conseguia dormir por me sentir sozinha e por tudo estar dando errado, foi por muito pouco que quase deixei passar o barulho abafado de batidas na janela. Me levantei limpando os olhos, e quando a abri encontrei uma Rafaella encharcada ali. Ela não esperou um convite para entrar e logo pulou para dentro do quarto.

- O que está fazendo aqui? - Perguntei. Durante esse tempo ela nem fez questão de falar comigo e agora está aqui.

- Eu sinto muito... pela festa. Sei que era algo muito importante pra você. - Cruzei os braços num movimento de defesa, faz dias que não conversamos, ela não tinha mais esse direito, por isso me sentia exposta com ela ali.

Tudo outra vezOnde histórias criam vida. Descubra agora