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Forks era fria, precisava admitir isso, mas também precisava admitir que aquele era seu clima favorito. Não entendia como as pessoas poderiam gostar tanto do calor: bichos insuportáveis, é horrível dormir e nem se ficasse completamente sem roupa poderia se refrescar. Isso a fez concluir que pessoas que gostam de calor são problemáticas e não conhecem o lado bom da vida.

A chuva retumbava contra a janela, as gotas formando um padrão engraçado de sombras no chão do quarto. Se estivesse certa, amanhã seria o clima perfeito: frio pós chuva, o cheiro de terra molhada transmitindo paz. Mas agora, além do cheiro da chuva, tinha também o cheiro insuportável da maconha pairando pela casinha inteira enquanto ela apertava as rodas do skate.

O desenho no fundo do skate era um lobo uivando para uma lua sangrenta. Tinha ganhado aquilo no aniversário de seis anos, aprendeu a se equilibrar e andar na prancha no mesmo ano. Agora, era a única lembrança que tinha do homem que deu-lhe a vida, além da horrível memória do sangue dele cobrindo o chão da cozinha. Ela seria a próxima, sabia disso, mas mesmo assim, não se curvava para os avisos da mulher que fumava na sala.

Assim que terminou, deixou as ferramentas e a prancha no chão ao lado, apagando a pequena luz da cabeceira e encostou a cabeça no travesseiro. Se deixou ser levada pelo som da chuva e a segurança da porta trancada. Nada poderia atingir ela, nem mesmo Amanda.

*

As janelas eram enormes, e a quantidade de luz que entrava era absurda. O céu cinza parecia brilhar contra as árvores altas e verdes que via. Olhou para a tela que tinha à sua frente. Estava quase terminado, e parecia perfeito. O som do piano sendo tocado a acalmava, espantando todo sentimento negativo que ela vinha plantando desde os sete anos.

Era uma música única, sabia que ele quem tinha produzido, nunca ouvira nada parecido. Uma mecha de cabelo castanho havia se desprendido do coque e pairava sobre o nariz dela, fazendo cócegas. Ela se curvou quando espirrou, sujando o nariz com tinta verde, o que arrancou uma risada gostosa do homem.

-Merda. - ela murmurou, olhando para o próprio nariz.

-Não seria uma artista se não se sujasse. - ele comentou. - Agora parece uma obra de arte em andamento.

-Certamente não era o que eu precisava no momento. - ela sorriu, pegando o pano úmido e passando no nariz, limpando a tinta.

-Preciso que faça uma coisa por mim. - o homem tinha parado de tocar, e agora estava atrás dela. - Acorde, por favor.

-O quê?

-Acorde. - ele disse. - Acorde e me encontre.

Ela abriu os olhos. A fraca luz emitida pelo céu cinza iluminava o quarto bem o suficiente para que ela visse a confusão do pequeno cômodo de três metros quadrados. Aquele quarto não era nada do jeito que ela imaginava que seria quando ela crescesse. Talvez  não tivesse imaginado que a mulher que a pariu se tornaria uma viciada que torraria todo o dinheiro da herança que o pai deixou quando morreu.

O cheiro da erva tinha diminuído bastante, mas ainda era insuportável. Ela percebeu que a chuva tinha parado enquanto se trocava. Ótimo, não precisaria pegar um táxi para ir até a escola. Jogou a mochila por cima do ombro e pegou o skate. Se certificou de que a mulher não estaria à vista, e saiu do quarto silenciosamente, atravessando o um metro que separava o quarto do banheiro. Escovou os dentes e correu para a cozinha, vasculhando a geladeira e os armários. Encontrou um pacote de biscoito que estava perto da data de validade e andou até a porta.

Ouviu o piso rangendo e a porta do quarto da mulher sendo aberta. Ela correu porta afora quando ouviu a mulher gritando o nome dela. Estava livre, por enquanto.

Wolf Girl // J. HaleOnde histórias criam vida. Descubra agora