06: Sobre Nietzsche e canalhas.

228 27 65
                                    

Jimin abriu os olhos.

Escuridão.

O breu era forte e presente na paisagem diante de seus olhos. Tão denso e consistente, que era quase como se ele tivesse caído dos céus e se instalado ali com possessão. Ou, dispensando essa comparação contraditória, que a obscuridade da densa floresta que erguia-se por detrás da estrutura de forma fúnebre, estranha e fantasmagórica, desejava engolir a casa por inteiro; puxá-la cada vez mais para seu interior até que fizesse parte dela também, assim como quem está sozinho e desesperado por companhia ao ponto de matar por isso.

Também ventava um vento frio e bruto. Os galhos das árvores se chocavam uns nos outros com violência velada, como numa batalha travada com fins de resistência.

Ele olhou para baixo. Estava vestido com uma calça moletom e uma camisa de mangas curtas. Devia fazer muito frio, mas não sentia nada sobre a pele descoberta de seus braços. Também estava descalço, e a sola de seus pés tocava a terra meio úmida que adentrava entre seus dedos e sujava suas unhas. Em qualquer outro momento sentiria desconforto com aquele contato, mas olhar em volta parecia uma coisa muito mais interessante que isso. Então ele o fez.

E sentiu algo muito estranho quando olhou para aquela casa uma segunda vez. Seus punhos se cerraram fortemente sem que ele nem mesmo percebesse, como se seu subconsciente estivesse certo de que deveria estar completamente imerso em ódio. Sua mente pareceu apitar como um aviso — não como um alerta de perigo, mas como se estivesse prestes a fazer alguma coisa; de descobrir algo muito importante.

Seus pés se moveram sozinhos até a estrutura. O solo sem pavimentação por onde pisava e afundava em pegadas, de forma meio errática, parecia ser muito bem conhecido por ele. Ou melhor: tudo ali parecia ser muito bem conhecido por ele. Não por simplesmente ter visto ou estado ali alguma vez antes, mas porque era algo de que pensava fazer parte e, se não fazia, então ele tinha que fazer. Ele sentia e ansiava por isso tal como a escuridão da densa floresta desejava ter aquela casa sob seu domínio. Definitivamente não era algo que ele deveria ter, mas ele queria.

Talvez estivesse disposto a matar por isso.

Refreou os passos em frente a porta de entrada da enorme casa. A chave prateada que tirou do bolso cintilou sob a luz álgida da lua em seu caminho até a fechadura, onde a girou para que pudesse abrir e empurrar a porta com cuidado. Fez o mesmo com a próxima porta do hall e entrou de forma surdina. À essa altura ele já havia notado que sua mente permaneceria à parte e passiva, apenas como espectadora daquele Jimin curioso de seu sonho.

Os passos taciturnos e sujos de terra sujaram o carpete, mas ele não pareceu se importar. Como se soubesse exatamente para onde deveria ir, seguiu por alguns corredores e chegou na cozinha. Ele parou em frente ao porta facas ao lado da pia de mármore e as contemplou em silêncio por um longo tempo.

Ele pegou um dos objetos pelo cabo, descansou a extremidade cortante sobre sua palma e a encarou por um tempo, deslizando os dedos curtos de forma genuinamente fascinada ao longo da extensão prateada e incisiva.

— Mamãe sempre gostou dessas facas.

De repente, seu olhar vagou de forma incerta até parar no vidro límpido do armário embutido sobre a pia. Um Jimin de feições mais jovens e delicadas estava bem ali, na sua frente, lhe encarando com os olhos pequenos e curiosos quase como se soubesse que estava sendo observado por ele, pela parte observadora de Jimin no sonho.

Foi então que, destoando da imagem pulcra e serena de seu eu mais jovem, algo bizarro começou a acontecer.

O olhar, antes pueril, passou a ficar cada vez mais denso e penetrante ao passo que os olhos pequenos pareceram maiores e mais expressivos; o formato agudo do rosto ficou mais arredondado e o nariz menos arrebitado, além de que os fios, antes curtos e castanhos, estavam mais espessos e carregavam um tom de preto opaco.

PSYCHE • JIKOOKOnde histórias criam vida. Descubra agora