03: Uma nostalgia grotesca.

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Aquele era oficialmente o primeiro dia de Jimin morando na nova cidade. Embora carregasse, sim, certo otimismo dentro de si, não poderia dizer que estava exatamente animado. Ao menos não estava tanto quanto Hoseok, que para sua infelicidade havia feito questão de acordá-lo aos berros naquela mesma manhã, pulando em sua cama como se realmente não houvesse outro ser humano dormindo ali.

Quando o sono começou a deixar seu corpo aos poucos, o convite proposto pelo mesmo — que em suma se tratava de sair com ele para conhecer Incheon de forma adequada — surpreendentemente lhe pareceu tentador, trazendo à tona um ânimo duvidoso que dificilmente dava as caras por qualquer motivo que fosse.

Assim que Hoseok terminou sua típica sessão de frases motivacionais baratas e exímio horror ao sedentarismo característico do amigo, a primeira coisa que fez foi óbvia: ir até o banheiro. Contudo, quando olhou pela primeira vez para o espelho não foi com o intuito rotineiro de acompanhar seus movimentos enquanto escovava os dentes e lavava o rosto e, sim, para pensar — coisa que estava fazendo com uma frequência quase absurda nos últimos dias.

Enquanto trocava olhares com sua própria imagem refletida sobre a superfície impecavelmente limpa, Jimin se perguntou se o que estava pretendendo fazer realmente funcionaria — se o ajudaria, no mínimo. Em seus pensamentos, pôs em pauta algo deliberadamente abrasivo que chamava eufemicamente de timidez.

Se conhecia bem seu melhor amigo — e tinha quase certeza de que sim —, não havia dúvidas de que certamente chamaria alguns amigos da cidade para sair com eles. Embora já estivesse resoluto sobre a questão de ao menos tentar deixar de ser um bom exemplo de bicho do mato, como Hoseok costumava dizer, e estivesse imensamente grato ao mesmo por ainda estar disposto a ajudá-lo em tal coisa, era inevitável a ansiedade que ainda sentia ao pensar sobre.

Para quem visse de fora, não pareceria nada mais que um moleque patético e covarde — patético por pensar tanto sobre algo que aparenta ser tão tolo, covarde por ter passado todo esse meio tempo desde que acordara do coma sem encarar sua própria realidade mesmo tendo plena consciência dela e, sem dar a mínima, permanecer estendendo algo inútil que não o levaria a lugar algum, quando na verdade a última coisa que deveria ser usada em sua atual situação era a ignorância.

Temendo que sua própria mente lhe traísse, levou sua mão até a altura do rosto, e com a ponta dos dedos tocou com suavidade cada canto de seu semblante levemente avermelhado, o olhar distenso seguindo cada movimento que sua mão fazia. Quando tocou a testa, divagou sobre todas as reações e sentimentos variados que não pôde expressar à face com frequência, até porque não haviam muitos para serem a razão delas, para início de conversa.

Descendo até que estivesse tocando seus olhos, pensou sobre tudo o que aqueles verdadeiros guerreiros vivenciaram até então, e embora não soubesse naquele momento, uma boa parcela daquilo não era nem um pouco bonita. Mas alguma parte das lembranças que tinha — e gostava — pôde salvá-lo de ter mais um motivo para se sentir alguém digno de pena.

Ao tocar sua bochecha, foi inevitável não pensar sobre as incontáveis lágrimas incessantes e patéticas que já haviam passado por ali, todas carregadas de razões e sentimentos igualmente detestáveis para ele. Então, quando finalmente tocou seus lábios, um pequeno sorriso quase inexistente apareceu ali, fazendo com que saísse da bolha de inércia em que havia posto a si mesmo para que pudesse revirar os olhos. Porque embora sua vida romântica não fosse merecedora de um prêmio, ainda havia Hoseok, que além de melhor amigo também era algo perto de um ficante, eventualmente.

Era certo que segundo um rápido esclarecimento dos dois sobre aquilo há pouco tempo atrás, não havia nada que fosse forte o suficiente para afetar de forma negativa a amizade de ambos — até porque eram dois adultos ali e, fazendo jus a isso, maduros o bastante para não deixarem que algo tão banal quanto aquilo fizesse o contrário. Entretanto, tinha a impressão de que o carinho que Hoseok demonstrava por ele parecia exceder essa linha de vez em quando, de modo que o fazia se questionar, ainda que com hesitação, sobre a veracidade daquela hipótese e se houve algo entre os dois antes do acidente. Ele sempre pareceu estar lhe escondendo alguma coisa mesmo.

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