Maria e a Flor
Maria esperava, com a criança nos braços, sentada em um dos últimos bancos da igreja lotada. Até para sentar-se ali tinha sido uma dificuldade, e só conseguiu lugar porque uma senhora idosa, mas cheia de energia e bem-humorada, sentiu pena da criança:
- Vamos lá, alguém precisa levantar e ceder o lugar. Essa mãezinha vem de longe!
Muito a contragosto, um senhor levantou-se reclamando e foi se refugiar no outro lado da igreja. Maria sentou-se então, com a criança sempre no seu colo, sob o olhar reprovador dos demais.
Mas ela não se alterou. Estava acostumada a ser tratada assim. Desde que era criança, o sentimento que tinha a respeito de si mesma era esse: estava ocupando espaço.
Sétima filha em uma família de doze irmãos, Maria era invisível aos olhos de seus próprios pais, que trabalhavam muito e ganhavam pouco. Ela não deveria estar ali. "Era um acidente", diziam.
Maria só não se magoava mais porque os pais dela diziam isso de praticamente todos os filhos: mas naqueles tempos, a sina das mulheres pobres era a de pôr filhos no mundo, tivessem condições de criá-los ou não.
Nem na aparência Maria se sobressaía: baixinha, magrinha, morena, com olhos pretos, vivia curvada e de cabeça baixa, como se estivesse sempre com medo de encarar o mundo de frente. Usava sempre as roupas doadas das irmãs mais velhas.
Quando adolescente, um rapaz da vizinhança se interessou por ela, casaram-se e não muito tempo depois, Maria engravidou. Ficou aterrorizada, não queria repetir a trajetória da mãe. Chorou a gravidez inteira.
Mas o marido logo foi embora, atrás de uma sirigaita que tinha conhecido no forró. Maria não sentiu pena, mas alívio. Ficou ali na casinha pequena com o filho, sobrevivendo de bicos, da ajuda dos vizinhos. Mas o filho ficou doente.
O prognóstico do médico foi terrível: o menino não tinha muito tempo de vida. Maria se desesperou. Foi aí que uma vizinha contou-lhe que Nossa Senhora estava aparecendo em uma cidade, e as pessoas diziam que estavam acontecendo muitos milagres. - Leva o Joãozinho lá - concluía.
Maria encheu-se de esperança. Mas é claro! Nossa Senhora iria valer-lhe... mas a cidade era muito distante. Maria trabalhou ainda mais, se humilhou, pediu dinheiro emprestado, vendeu tudo o que tinha na casa, até deixou de comprar alguns remédios do Joãozinho. Mas depois de dois meses tinha o dinheiro, enfim. Poderiam ir.
A viagem foi penosa e cansativa. Maria mal tinha dinheiro para comer. O pouco que tinha, gastava com o filho. E este estava piorando cada vez mais, a viagem não estava lhe fazendo bem.
Chegaram. Maria tratou de ir diretamente para a igreja onde Nossa Senhora estava aparecendo, não queria esperar nem um minuto.
Lá, como ela esperava, havia muita gente. Muitos carros de luxo estacionados na rua, algumas barraquinhas com vendedores oferecendo imagens, livros, cachorros-quentes e água abençoada.
- Leva uma aguinha abençoada pra casa, minha senhora! - gritava o feirante. Uma mulher ao lado dele o impedia: - Nem perca tempo, Clodoaldo! Essa aí tem cara de morta de fome!
Maria continuava. Chegando na porta da igreja, assustou-se. A aglomeração era enorme. Tinha medo de não conseguir entrar, e o filho inerte estava lhe pesando nos braços.
Havia muitas pessoas ricas na igreja. Maria se sentia invadindo um espaço que não lhe pertencia, ao passar do lado das senhoras grã-finas, cheias de jóias, os homens de terno, os perfumes caros.
As pessoas se afastavam dela com um olhar de repugnância. Mas ela não desistia. "Deus é pai dos ricos e também dos pobres", pensava.
Conseguiu entrar. Sentou-se. Mais calma, começou a observar o lugar. Muita gente rezava o terço. A igreja estava quente, os ventiladores ligados pareciam apenas distribuir melhor o calor para todos. Algumas senhoras se abanavam com leques.
O homem que falava com Nossa Senhora atendia em um quartinho separado, as pessoas iam e vinham rapidamente. Maria observou que as pessoas que aparentavam ter mais dinheiro eram atendidas primeiro e demoravam mais dentro do quartinho.
"Mas é assim mesmo", refletia. "Os ricos sempre podem mais. Afinal, são eles que tem o dinheiro". E ela, o que tinha? Apenas fé. E um amor pelo filho, que mal cabia dentro do peito.
Maria sentia fome e sede, mas tinha medo de levantar-se e perder o lugar. As pessoas em pé ao redor dela davam-lhe cotoveladas. Ninguém ofereceu-lhe um copo de água sequer.
Passou-se o dia. O movimento das pessoas foi minguando. De tardezinha, a senhora idosa que conseguiu o lugar para Maria sentar aproximou-se dela e disse:
- Você ainda aqui, minha filha? Você quer falar com o vidente? Mas ele já encerrou os atendimentos por hoje...
Maria, atônita, segurou o braço da mulher em desespero:
- Minha senhora, eu vim de longe, vim trazer meu filho, que está desenganado pelos médicos, pra Nossa Senhora curar ele, pelo amor de Deus, peça pra ele me atender, eu imploro por tudo quanto é mais sagrado, minha senhora!
- Vou ver o que posso fazer - e desprendeu-se das mãos de Maria.
Ela voltou uns minutos depois. - Ele vai atendê-la, mas seja breve.
Maria entrou na salinha. Era uma simples, com três cadeiras, uma mesinha com uma jarra de água e dois copos, e uma imagem de Nossa Senhora. O vidente era um senhor já idoso, camisa branca, olhos claros, um terço na mão. Mediu Maria da cabeça aos pés.
- Então, minha filha, qual é o seu problema? - disse, com um ar entediado.
Maria sentiu o desprezo no olhar e nas maneiras do homem, mas tinha que continuar.
- É meu filho, Joãozinho, que está doente. Os médicos disseram que é um tumor, que não podem fazer nada. Eu estou desesperada, doutor, vim de longe, sou pobre, vim pedir a Nossa Senhora que me socorra, pelo amor de Deus!
- Entendo... e você deve ter entrado sem pagar a taxa. - Maria sentiu o sangue gelar nas veias. Não sabia que pra falar com Deus era preciso uma taxa. - Só a Jorgete pra me arrumar uma dessa. Mas bem, vamos ver o que se pode fazer.
O homem fechou os olhos, estendeu as mãos sobre Maria e resmungou algumas palavras, que ela não entendeu. Abriu os olhos e disse:
- Olha, Nossa Senhora me mandou dizer que não tem jeito mesmo. Agradeça a Deus por isso porque nem condição de criar uma criança você tem... faça-me um favor, feche a porta depois que sair.
Maria saiu de lá arrasada. O filho lhe pesava mais do que nunca nos braços, sentia fome e sede, e tinha ido lá para nada. Se não fosse pelo Joãozinho, que não tinha mais ninguém no mundo além dela, Maria seria até capaz de se jogar de uma ponte. Aquele homem tinha tirado todas as esperanças dela. Foi brutal.
Maria chegou em casa e chorou a noite toda, até que dormiu.
E eis que em sonhos, ela via Nossa Senhora, linda, com seu manto azul, os olhos também azuis, um rosto de menina. Nossa Senhora a abraçava e dizia:
- Eu não estou lá, minha filha. Os homens fazem essas coisas, para se promover, iludir os meus filhos tão sofridos, mas eu nunca estive lá. Eu estou aqui - e apontava para o coração de Maria.
Maria acordou com o filho pulando e dançando em volta da cama dela:
- Veja, mamãe, eu não sinto mais dor!
Maria olhou ao redor, achando que sonhava ainda. Mas os beijos do filho a fizeram ver que estava acordada, afinal.
E na mesinha de cabeceira, havia algo que não estava lá na noite anterior: uma rosa branca. Maria tinha conseguido o seu milagre.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Maria e a Flor
Kısa HikayeUma mãe faz uma viagem a um local onde supostamente Nossa Senhora aparece, em busca de uma cura para seu filho.