4/4 - Come As You Are

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Taquepariu, Alex! — Suzana andava de um lado para o outro puxando os cabelos. — Você tinha um trabalho, man! Um trabalho! Agora, além de não ajudar em nada, você ainda conseguiu ser expulso de outro espaço místico! É o quarto em trinta anos! Mano? Tipo... Mano?

— Você sabe que eu não tenho muito tato social e a Yari é totalmente maluca e emocionada. O que poderia dar errado? — Alex estava sentado no sofá, bebendo um achocolatado em caixa. Enquanto isso, Yari distribuía entre as crianças alguns doces que Alex havia comprado às pressas em uma distribuidora de embalagens que ficava ali perto.

— Tá, o que vocês vão fazer agora? — Suzana colocou as mãos na cintura.

— Eu esperava que você tivesse alguma ideia, você é a pessoa genial aqui... — Alex terminou o achocolatado, fazendo barulho ao sugar pelo canudo o que restava na caixinha.

— É claro... Porque se depender de você, daqui a pouco não vai sobrar um lugar nesse multiverso de onde você ainda não tenha sido banido.

— Eu nem sei por que raios a Yari quer lembrar daquele cara... ela é uma bruxa, se eu fosse uma bruxa, não ia querer ficar correndo atrás de um Valente apelão que, por sinal, anda junto com uma Juíza lendária.

— Eu realmente devo te lembrar que você é um mísero imortal enquanto sua mulher é uma criatura semi-divina, que nesse exato momento, está dormindo em outro planeta? Porque eu acho que você não tem muita moral pra falar das escolhas autodestrutivas da bruxa. Quer saber? Vou ligar pro Sindicato e falar pra mandarem o Lennon aqui. Ele adora cuidar dessa casa.

Alex passou a mão pelos cabelos, confuso.

— E em que diabos a presença do Lennon vai ajudar em alguma coisa?

— Como eu disse, ele vai cuidar da casa. Na próxima viagem, eu vou junto!

— Ele vai quebrar sua casa toda, igual da outra vez... — Alex apoiou os braços atrás da cabeça.

****

Yari ficou cabisbaixa olhando para a televisão, enquanto a tela exibia o especial de Halloween do Shrek. Aquilo fazia parte de suas lembranças. Lembrava de um desenho que assistiu há mais de três mil anos, mas não se lembrava o nome de uma pessoa querida.

— Que história é essa de Sindicato? — A bruxa perguntou, sem olhar para Alex. Ele estava esparramado sobre a poltrona, checando seus e-mails no celular.

— É uma coisa que a Suzana e eu criamos uns vinte anos atrás. Basicamente nós contratamos outros seres do mundo místico para ajudar a garantir que as coisas aconteçam como tem de acontecer e nada impeça o fluxo do tempo. Também é uma forma de acolher os párias das cidades imortais. Gente que foi expulsa arbitrariamente. Servos cansados das leis injustas a que estão sujeitos, além de criaturas da noite dissidentes.

Crownley apareceu na sala e recebeu afagos de Yari.

— Então você virou o pai adotivo de um bando de desajustados? Que ironia... — Yari sorriu.

Alex passou a mão pelos cabelos, depois, depositou o celular na mesa de centro e levantou devagar.

— Acho importante fazer o que for possível pra que gente que não tem meus recursos não passe pelo o que eu passei.

— E filhos de verdade? Você tem?

Ele encolheu os ombros. Pela primeira vez naquele dia, ao olhar para Alex, Yari se lembrou do menino que encontrara há quase trinta anos, perdido em um bosque.

— Minha esposa e eu não podemos ter filhos.

— Desculpe, eu não sabia...

— Não faz mal. Não dá pra sentir falta de algo que você nunca teve, eu acho.

— Dá pra sentir falta de muitas coisas, você ficaria surpreso... — Yari disse. — Coisas que perdeu, coisas que deixou para trás, coisas que nunca foram suas... Cada pessoa, objeto, ou ideia que alguma vez você amou verdadeiramente. Mesmo que passe muito tempo, a ponto de se esquecer, elas continuam ali. Como uma cicatriz, um velho ferimento de guerra que dói sempre que o inverno vai chegando.

Alex olhou para ela, um olhar que durou mais do que os três segundos que ele se forçava a olhar nos olhos das outras pessoas normalmente.

— Nós vamos descobrir quem ele é. Não se preocupe. — Ele se afastou caminhando até a porta. O som suave da campainha tinha suas desvantagens. Quase sempre, era difícil ouvi-lo de primeira.

— Olha ele aí! — disse Alex ao abrir a porta. — E trouxe o Vitor também. Que maravilha.

Suzana veio da cozinha com uma mochila nas costas e uma travessa de croquetes e salgadinhos.

— Já vai se arrumando Yari. O Lennon tá aqui. A gente parte imediatamente. Coxinha? — Suzana ofereceu um salgado à bruxa.

— Meio incomum alguém com o nome de Lennon aqui na sua terra, não acha? — Yari deu uma mordida no salgado e seus olhos brilharam. — Uhmmmm!

— O nome dele é Diogo. — Suzana fez uma careta.

— Ué. Mas então por que... — Yari começou, mas se interrompeu ao olhar bem para Lennon. — Entendi.

— Beleza, vamos agilizar logo isso que já são oito da noite! Lennon e Vitor, essa é a Yari, Yari esses são o Lennon e o Vitor. Lobisomem e metamorfo, respectivamente. Acho que eu não preciso dizer o que a Yari é, né? Tá meio que na cara. — Suzana falou rápido como um narrador de jogo de futebol. — Agora é o seguinte: eu tenho um plano. O ancião superpoderoso te expulsou da Linha Um, certo?

Ela olhou para Alex e ele assentiu.

— Ótimo. Isso quer dizer que ainda tem quatro linhas pra gente explorar. E se eu me lembro bem, sua existência, a minha e a de todo mundo se repete em todas as linhas. Então é isso o que nós vamos fazer: Vamos até a linha quatro, vamos encontrar a versão mais nova do ancião e forçar ele a abrir o bico.

Forçar ele a abrir o bico... Do jeito que ela diz, parece fácil... — Alex disse, entredentes.

— Tudo bem. Vou arrumar meu alforge e pegar minha vassoura. É rapidinho. — Yari arrumou o vestido e se dirigiu a um cômodo ao lado da cozinha.

Vitor, um rapaz bem magro e com um nariz que se destacava, comentou com Suzana, assim que Yari saiu:

— Onde vocês arrumaram essa gata? — O metamorfo soltou um assobio.

— Essa gata tem três mil anos de idade e gosta de carne humana. Sossega o facho! — Alex beliscou o rapaz no braço.

— Eu tô explicando pra ele faz horas que ela é uma bruxa, mas acho que todo mundo passa por essa fase de burrice crônica na adolescência. — Lennon tirou os óculos de aro redondo e limpou cuidadosamente.

Yari voltou algum tempo depois com suas coisas.

— Vamos? — Ela perguntou.

— Para qual data nós vamos? Lembrando que só podemos viajar para outros Halloweens... — Alex disse a Suzana.

— Certo... Eu fiz alguns cálculos, mas os arquivos do Sindicato não têm muitas informações sobre a Linha Quatro. — Suzana ponderou por algum tempo. — É um completo tiro no escuro, estejam preparados para encontrar qualquer coisa, ou para não encontrar nada. Linha 4, o mesmo lugar em que vocês encontraram o velho, mas em 31 de outubro de 2022.

— Mas isso é pouco antes do mundo acabar na Linha Quatro! — Alex protestou.

— E eu não sei disso? — Suzana balançou a cabeça. — Mas nós não sabemos em que lugar exatamente ele vai estar, só sabemos que ele tem ligação com Juízes. Um fim do mundo é nossa melhor chance.

Alex respirou fundo e estalou os dedos. A porta da casa se abriu, brilhando em azul. Revelando do outro lado, uma cidade arrasada.

— Eu já vi como esse mundo acaba, não é nada bonito.

O Halloween de Yari (Conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora