Lutas pela existência são sempre desesperadas e desprovidas de esperança.
Na Linha 4 do Multiverso, a humanidade já havia atacado com tudo o que tinha, já usara seus últimos recursos para deter o avanço da entropia. Mas não foi o suficiente. Poucos restaram para enfrentar o mal que se espalhava por aqueles dias.
Para trás, ficavam cidades arrasadas, corpos empilhados pelas ruas, fome, doença, cansaço e apatia. Os governos já quase não existiam e a anarquia era a nova lei. Os humanos, além de combater demônios interdimensionais poderosos, ainda tinham que se preocupar com seus semelhantes, que não tinham lá muitos escrúpulos.
Alex sentiu o cheiro do fim, a desolação no fundo da alma que um mundo sem rumo e sem futuro proporciona.
— Mas que desgraça. — Suzana cobriu o rosto com um lenço, o cheiro de decomposição tomava aquela avenida larga inteira.
— Eu avisei... — Alex resmungou. Estava desconfortável demais, pensando seriamente em como um dia comum, de sua vida mais ou menos comum, havia ficado daquele jeito.
— Eu tô conhecendo esse lugar... — Suzana começou.
— North Coast Highway. San Diego. Califórnia — disse Yari, sem emoção. — Eu me lembro daqui. Lembro de passear por essa rua em um carro conversível, lotado de sacolas de compras. Lembro de estar tentando de todas as formas me sentir feliz. Mas algo me machucava. E eu nunca conseguia... Eu lembro dele... Lembro do olhar dele sempre que eu tentava parecer feliz e de como isso o deixava irritado. Por que você aceita essa merda? Ele me dizia. Fica aqui. Não volta pra lá... Mas eu não sei mais onde era lá, e não sei porque ele queria que eu ficasse. Porque se importava se eu era ou não feliz. Não é estranho? Eu me lembrar tão claramente de ser infeliz, mas não saber por qual motivo?
— Viver nesse mundo já dá um monte de motivos pra ser infeliz. No fim das contas, eles não importam. — Alex resmungou, chutando uma pedra.
Algumas casas ainda pegavam fogo. Era uma área residencial, que, em algum momento, foi um lugar seguro e bom para se morar. Mas agora não passava de escombros. Um campo de batalha, onde muitos corpos dilacerados se espalhavam pelas calçadas. E uma estranha sombra, como de uma nuvem grande, pairava sobre um cruzamento.
Alex seguiu com os olhos a extensão da sombra. Era imensa. E o que quer que estivesse causando aquela escuridão com o sol a pino, era encoberto por uma grossa camada de nuvens. Nuvens que vez por outra eram atravessadas por relâmpagos e descargas de eletricidade. Em uma cor particular, que causava calafrios em Alex. Que o lembrava de suas fragilidades. De suas derrotas. Relâmpagos e descargas elétricas verdes.
Das nuvens, ele desceu lentamente. Flutuando. Com uma graça que escondia a brutalidade já conhecida do imortal.
— Ai, meu cacete! — Suzana apontou para o homem vestindo um terno cinza descendo das nuvens. Os olhos arregalados de terror.
— É o... — Yari cobriu a boca com a mão.
— É o Irlandês... — Alex engoliu em seco, começando a ranger os dentes.
O Irlandês desceu e caminhou devagar até onde eles estavam. Yari e Suzana estavam paralisadas. Alex tremia e passava as mãos pela cabeça repetidas vezes.
— Alex... Alex! Respira. Respira. Com calma. Não se apavora. — Suzana dizia, entredentes.
O homem se aproximou até que Alex sentisse sua respiração. Os olhos verdes do Irlandês perscrutaram o imortal de alto a baixo. Examinando-o.
— Conheço você? — perguntou o Irlandês. Uma voz mais comum do que Alex se lembrava.
— V-você não se lembra? — Ele suava frio.
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O Halloween de Yari (Conto)
Short StoryÉ dia 31 de outubro de 2015, e Alex não comprou doces para distribuir no Halloween. Agora, um grupo de crianças raivosas está amaldiçoando a casa de Suzana. Não que a maldição vá pegar, é claro. Mas se tratando da única noite do ano em que os...