Porta 8: Surrounded

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[Este conto foi escrito em conjunto e improvisado por cada autora que o recebeu para escrever.]

◇♡◇

Ele sorri.

Um sorriso capaz de abalar com todas as estruturas da terra. Por um momento senti o chão vibrar e toda a superfície tremer. Ele enseja um abalo sísmico em meu mundo por sorrir. Apenas por fazer o que sabia fazer de melhor. A vertigem começa quando menos espero, forçando meu subconsciente a entrar em uma esquina que liga o nada a lugar nenhum.

Mantive o corpo escorado na parede em uma distância segura enquanto observo Harry abraçar um homem de aparência austera. Me projetei no abraço, quase podendo sentir seus braços ao meu redor. A fragrância de malvas-rosas dominando meu olfato enquanto seus cachos acariciam meu rosto. Ansiei por aquele abraço como se deseja água no deserto.

Não demorou para eles tomarem uma distância segura um do outro. O homem se despediu e deixou Harry ali, parado. Não era difícil adivinhar que aquele era apenas mais um dos seus encontros fracassados. Harry não procurava ninguém extraordinário, apenas alguém menos babaca que o normal. Ele coçou o nariz e escorou o torso em uma parede, dedilhando a tela do celular por alguns segundos.

O observei com exuberância, o tom de pele quase se camuflando com a parede do estabelecimento. Suéter creme, calças jeans, lábios róseos e rubor nas bochechas. Estava quase vestido da mesma maneira como havia o visto pela primeira vez. Seu semblante vagueava do descontentamento para a inquietação, talvez relembrando o encontro mal-sucedido.

Ele era tão Harry. Os dicionários de língua e analógicos não poderiam explicar o que é ser Harry. Mas eu poderia. O via como um livro do qual não sabemos muito pela capa, mas que nos vicia pelo conteúdo. Um livro que lemos em um único dia, virando a madrugada. Que não emprestamos para ninguém e deixamos em cima da mesa de cabeceira. Eu o lia e relia todo dia, até que as páginas estivessem amassadas pela frequência do dedilhar das folhas. Havia estudado seus sinônimos e semelhantes. Gravado cada pormenor e linhas tortas. Eu possuía uma coleção de livros — agora empoeirados e esquecidos em uma prateleira —, mas lê-lo era minha leitura preferida.

Ser Harry é tomar café quente em um dia brumal, comer algo doce e beber água gelada, abraçar um familiar após anos sem vê-lo. Ele era tudo que eu não era. Ele era tudo que alguém jamais seria. Eu era eu, sem graça. Ele era extraordinário. A primeira gota do oceano, o último gole no café. Harry era imaculado, isento de qualquer maldade.

Ele sorria, eu repetia. Ele andava, eu seguia. Ele era puro, eu nefasto. Éramos incompatíveis, dois humanos feitos de inúmeras células que respiravam o mesmo universo. Feito para mim. Se não para mim, para mais quem? Eu nunca havia o tocado, mas não possuía dúvidas de que seu corpo encaixava no meu. E apenas no meu. Satisfatoriamente guisa perfeição, como o último pedaço do quebra-cabeça.

Eu costumo roubar palavras. Escuto e as faço minhas. Uma vez ouvi Harry cumprimentando o porteiro, mencionando casualmente que o dia estava "adorável". Aquela palavra parecia ganhar um novo significado saindo da boca dele, carregada de uma elegância natural que só ele possuía. Desde então, tudo em Harry parece se encaixar perfeitamente nessa descrição. Observar cada gesto seu, notar o jeito como seus olhos varrem o ambiente ou como ele anda pelas ruas, tem algo de fascinante. Cada movimento, cada ação, por mais simples que fosse, adquiria uma nova profundidade. Até o momento em que ele hesitava em frente ao guarda-roupa, indeciso sobre qual camisa escolher para mais um dos seus encontros fracassados, tinha um certo charme irresistível.

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⏰ Última atualização: Oct 11 ⏰

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Pandemônio - Zarry StylikOnde histórias criam vida. Descubra agora