Outro corpo? ...14

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E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!

Florbela Espanca

             O sol nascia , trêmulo e vermelho

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             O sol nascia , trêmulo e vermelho . O nevoeiro então se desprendia  das montanhas e fugia ... Uma manhã de domingo , só podia ser domingo ! Não existia outro dia com uma vibe tão depressiva ,ou horas tão longas . Apesar de saber o dia da semana ,não fazia ideia de onde estava ,era um paraíso ,tão perfeito que só podia ser um sonho ! A brisa gelada agitava meu cabelo e acariciava meu rosto pálido . Parada no alto de uma das montanhas ,observava as outras horizonte afora ,até tudo se tornar fumaça .
     Decidi caminhar pela extensão da montanha ,seguindo a cerca de arame farpado . Por fim ,avistei uma casinha lá embaixo,entre árvores frutíferas e capim !
Ao me aproximar ,percebi que uma criança brincava , solitária, entre pés de rícino floridos.
     -Oi ?
A criança não se moveu , não olhou para trás , não me ouviu ...
    - Onde está sua mãe?
Mais uma vez ,sem resposta . Segui até a porta e bati palmas , esperando por um adulto . Uma mulher jovem e feições bonitas saiu pela outra porta , foi até a criança e acariciou seu cabelo . O garotinho não sorria , não esboçava reação diante dos carinhos daquela que só poderia ser ,sua mãe !
    - Olá! Pode me ajudar?
A mulher não me ouvia ,e por alguns minutos acreditei estar morta . E por isso ,eles não conseguiam me ver ...Aquilo era mesmo o céu?
    - Deus,aqui não pode ser o céu !
Não fazia sentido ,eu nunca iria pro céu ,era tão errada ...
A criança largou os objetos o segurava sobre a grama verde . Se levantou e olhou para a mulher parada ao seu lado ,em silêncio!
      - Vamos,o café está pronto !
Ela o olhava com olhos brilhantes ,e ele a olhava com olhos mortos . Comecei a sentir arrepios ,um frio estranho subia pela minha espinha , é ,estava com medo !
Como poderia sentir medo ,em um lugar tão calmo e pacífico? Não,eu não estava com medo . O garoto sim ,estava com muito medo ,e eu conseguia sentir .
Eles entraram,a porta foi fechada ,e eu fiquei ali , invisível !
       Quando a porta foi aberta , me levantei rapidamente e me aproximei da casa novamente . O garoto voltou para seus brinquedos,com o cabelo bagunçado, e olhos molhados . A mulher saiu mais uma vez ,arrumando as roupas , sorrindo estranho . Ergueu o rosto do garotinho com o indicador e beijou lhe a boca . Não era um selinho de ternura entre mãe e filho ,era sórdido, agressivo e imoral ... Aquela criança , aquela pobre criança sofria , sofria muito !
Meu coração doía tanto ,que sentia vontade de gritar ...O garotinho gritava !

ALMAS PERDIDAS (Livro III)Onde histórias criam vida. Descubra agora