Ah, insônia. Minha indesejável companheira. O motivo de eu ter acordado agora, antes mesmo de o sol nascer. O véu da noite ainda recobre o meu bairro e eu definitivamente não vou voltar a dormir, então decidi fazer algumas tarefas domésticas, como levar o lixo para fora.
E é nessa ocasião em que eu vejo uma coruja. É uma Rasga-Mortalha. Está pousada calmamente em cima do muro do outro lado da rua. Bica algumas de suas penas como qualquer coruja normal e então se vira para mim com sua cara branca e seus bizarros olhos negros. Do nada, abre suas asas e ergue voo, vindo na minha direção, para subitamente no ar e pousa na cadeira quebrada que eu coloquei na calçada, do lado de fora do meu círculo de sal grosso. Como eu já tinha colocado meus sacos de lixo na pilha da calçada, decidi me sentar ali, na calçada, para escrever um pouco. Eu observo a coruja ao lado por longos segundos, rascunhando divagações.
...
Ela entortou seu rosto branco num ângulo muito incomum e, com uma voz rascante, disse "boa noite". Eu não me surpreendi. Juro. Estou em Serra Baixa, afinal. A coruja ergueu voo e saiu voando conforme o sol começava a nascer.
Suspiro. Isso me traz lembranças do passado.
Literalmente.
Ao ouvir seu pio angustiado à distância, eu sinto o arrepio e uma visão começa. Claro, não poderiam esperar para eu, não sei, entrar no conforto da minha casa?! Nãaao...
Ok, eu não posso reclamar. Eu que quis começar a escrever fora de casa. E tecnicamente eu não tenho permissão para reclamar, já que eu assinei um contrato sobrenatural. Suspiro.
E lá vamos nós...
Uma rua asfaltada e arborizada se materializa na minha frente. Era noite e uma mulher caminhava cansada, iluminada apenas pela luz dos postes. Uma coruja exatamente igual à que eu vi estava pousada numa árvore próxima e sobrevoava silenciosamente, acompanhando os movimentos da moça. De repente, o salto de um de seus sapatos se quebrou, obrigando a humana a parar. A coruja se remexeu no galho, inquieta, e chirriou estridentemente enquanto a mulher tentava se manter num pé só para avaliar o estrago. Num segundo, distraída com o sapato, ela se desequilibrou e caiu no meio da avenida, por onde um carro com farol desligado passava em alta velocidade. Ela nem teve tempo de desviar.
A Rasga-Mortalha soltou um pio triste e se aproximou da mulher caída no chão, morta.
Mais uma vítima.
Uma pontada percorreu o corpo do pássaro, então ela se virou e bateu as asas, partindo na imensidão da noite atrás de uma casa em particular onde as forças da tragédia pareciam estar se concentrando. Piaria a noite toda lá, tentando, em vão, advertir os moradores sobre a tragédia iminente que recairia sobre eles. Então, quando estivesse perto do nascer do sol, a criatura voaria de volta para o meio da floresta, onde seu trabalho noturno acabaria e ela teria um breve intervalo dessa funesta profissão. A família, porém, teria uma péssima surpresa ao descobrir o corpo inconsciente de um dos filhos na sala.
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Crônicas de Serra Baixa
ParanormalneSerra Baixa é uma cidade misteriosa no meio do nada onde tragédias e mortes sem explicação são naturais. Habitante dela, alguém amaldiçoado carrega o fardo de saber como essas ocorrências misteriosas acontecem e quais as terríveis fatalidades que as...