Fera

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De todas as situações extraordinárias que vivenciei desde que assinei o contrato sobrenatural, creio que a que ocorreu esta manhã tenha sido a mais

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De todas as situações extraordinárias que vivenciei desde que assinei o contrato sobrenatural, creio que a que ocorreu esta manhã tenha sido a mais... Singular.

Era madrugada e a exaustão me tomava porque, além da gripe, eu também tinha dormido pouco por causa de uma confusão de urros, galopes e latidos que passara do lado da minha janela à noite. Eu tomei um chá energizante que peguei com uma Cuca uma vez e sentei na calçada de minha casa, tentando respirar com minha única narina livre. Estava tudo bem... Até algo galopante parar ao lado da minha porta.

Não virei a cabeça um único centímetro para encarar a coisa. Podia ser uma visão que tinha começado sem que eu notasse (a febre estava me dando calafrios a noite toda, talvez um tivesse sido o arrepio) ou, o que era pior, podia ser a criatura que estava fazendo todo aquele barulho à noite. De qualquer forma, eu não tinha o que temer. Estava dentro do meu círculo de sal grosso reforçado e, desde que eu não fizesse contato visual com o ser, ele me deixaria em paz. Eu torcia que fosse só uma visão.

Até que uma visão realmente começou. Fiquei momentaneamente em pânico com a possibilidade de ter encontrado outro ser infernal na mesma semana (digamos que sal grosso não é exatamente a melhor arma nesses casos), mas retomei a compostura e, mesmo com gripe, me concentrei para materializar a visão.

Como sempre digo, material de papelaria salva vidas. No caso, almas. Mais especificamente a minha e a da pobre vítima que eu iria acompanhar. Então, eu tinha o preparo, mesmo estando com um cobertor quentinho enrolado ao meu redor, o que me incitava a escrever o relato de forma preguiçosa só para entrar em casa e voltar a dormir. Não cedi aos seus encantos e comecei a escrever.

O ar tremulou, formando silhuetas, e a estrutura de uma casa se ergueu ao meu redor. As paredes eram de barro e pedra, firmadas por ripas de madeira grandes e cilíndricas. O teto era de palha e o vento no exterior fazia com que pequenas palhinhas caíssem dentro da casa, dando a impressão de que o lugar iria se desfazer se ventasse mais forte.

Na minha frente, estava um menino. Era pequeno, magro, de shorts rasgados. Sua respiração estava ofegante e ele mantinha o ouvido colado à porta, atento. A mão estava na maçaneta, abrindo a porta lentamente para evitar fazer barulho.

Não sei dizer o motivo de toda essa tensão, já que a dor de cabeça está me impedindo de ir a fundo nas memórias do menino para entender o contexto.

Maldita gripe.

De qualquer forma, mesmo com meu poder limitado, a visão continuou.

Justamente quando o menino estava praticamente com um pé na calçada, ele ouviu um urro ecoar lá fora e isso o paralisou.

Os cachorros na rua começaram a latir furiosamente.

O vento soprou mais forte, derrubando quase uma palha inteira do teto.

Um som alto começou a soar do lado de fora, ritmado.

Ploct ploct. Ploct ploct. Ploct ploct. Cada vez com mais intensidade.

Crônicas de Serra BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora