Bônus III

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Milhares de anos antes...

Uma fina neve caia por onde a vista de qualquer ser vivo alcançava. Era mais um dia do rigoroso inverno que Nárnia estava condenada e, embora comemorassem todos os anos perto do Ermo do Lampião a troca das estações, naquele ano o povo de Willow preferiu manter seus fios dourados mágicos escondidos, um presente de Aslam que não deveria cair em mãos erradas pois ele protegia quem nascia com o dom da visão do futuro através de seus sonhos.

Por ser um povo que vivia de forma simples e feliz tratando todos como se fossem uma grande família, acabam protegendo automaticamente quem nascia com o raro dom, manifestado logo na infância. As visões, eram transformadas em músicas para nunca serem esquecidas pelas futuras gerações e muitas vezes, cantadas por faunos, dríades e outros seres de Nárnia.

E foi desta forma que uma das profecias caiu sob os ouvidos da mais perigosa criatura que existia naquelas terras: Jadis, a Feiticeira Branca.

A mulher cruel e fria como o gelo havia acabado de tomar a força o trono narniano, condenando a vasta terra em um inverno mais rigoroso que o habitual, transformando qualquer fonte de alegria em tristeza e pedras em seu castelo de gelo.

— Majestade — um dos anões se curvou na frente da mulher — Tenho notícias para a senhora.

— Diga logo.

— Perto do Ermo, o povo de Willow fala sobre a sua queda e sobre um poder maior do que o de Sua Majestade.

— Como eles ousam? — a feiticeira levantou de seu trono de forma ultrajada — Preciso vê-los. Prepare a carruagem!

O anão se curvou em respeito e foi cumprir a ordem enquanto Jadis, em seu trono, pensava em como iria acabar com qualquer pessoa que ameaçasse seu reino.

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— Você tem certeza, minha filha?

— Tenho papai, eu sei o que eu vi. O mal será bem quando Aslam chegar, ao seu rugido, a dor fugirá. Nos seus dentes, o inverno morrerá e na sua juba, a flor há de voltar.

O velho homem assentiu para a garota loira em seus pés, pensando em silêncio sobre o sonho da filha. Marzy era uma das famílias nobres de Willow que, junto a família real, tinham a missão de proteger ainda mais o povo. Por possuir o dom desde criança, ela era respeitada e ajudava os mais novos a se aperfeiçoarem.

— Você não pode contar a ninguém, nem mesmo para Selena.

— Mas Selena é minha amiga papai, e ela é de confiança. A família dela toda é.

— Mesmo assim Marzy, não entende que se isso cair em ouvidos condenados, Jadis pode acabar com você.

— Não tenho medo dela pai, e nunca terei.

O homem acariciou o rosto da filha.

— Eu sei, minha corajosa menina. Eu sei. Você puxou a sua mãe.

O barulho do lado de fora da casa chamou a atenção dos dois, que ao saírem, se depararam com a comitiva da Feiticeira Branca e a própria em pessoa, parada em pé na sua carruagem.

— Se curvem para a rainha — o anão disse e ninguém o obedeceu.

Selena chegou perto da amiga pela parte de trás da multidão.

— O que está acontecendo? — a morena questionou a loira que negou com a cabeça, um gesto que dizia não saber de nada, quando olhou com olhos alarmados para as pessoas que estavam ali — Essa não, não pode ser real.

— O que foi? — Marzy se virou para a amiga tentando entender o que ela queria dizer.

Selena agarrou a mão da amiga.

— Precisamos fugir daqui... agora!

— Como assim?

A pergunta de Marzy foi silenciada quando sentiu que o ar ficou mais gelado e ao se virar, viu que Jadis caminhava na sua direção.

— Você — a feiticeira apontou para a loira — Sei que tem o dom da visão, me diga algo.

— Como?

— Não se faça de idiota. Você e seu povo sonham com o futuro, e sei que sonharam comigo. Diga logo o que viram.

— Eu não vi nada — Marzy respondeu não demonstrando medo — Nunca vi sobre a senhora, e mesmo se visse, não falaria.

— Ninguém viu — Selena acobertou a amiga antes que a feiticeira dissesse algo — Não é sempre que funciona com alguém de fora.

A mulher encarou as duas de forma furiosa, e ergueu o cajado na direção delas.

— PARE! — o pai de Marzy gritou atraindo a atenção de todos para ele — Ela não viu, mas eu vi. O mal será bem quando Aslam chegar, ao seu rugido, a dor fugirá. Nos seus dentes, o inverno morrerá e na sua juba, a flor há de voltar.

A atenção de Jadis se voltou toda para o homem e calmamente foi em sua direção. O pai de Marzy não aparentava medo, ou talvez não deixava seus olhos demonstrarem o sentimento.

— Fale — ordenou a feiticeira.

— Quando a carne de Adão e o osso de Adão em Cair Paravel, no trono sentar, então há de chegar o fim a aflição. Dois filhos de Adão e duas filhas de Eva virão para esse mundo e eles serão os responsáveis por sua ruína, irá perecer pelas mãos deles e de Aslam.

Um silêncio pairou sob o ar enquanto Jadis olhava o homem. A feiticeira ergueu o cajado e, ao contrário do que fazia, enfiou-o no peito do homem até que o sangue começasse a manchar a neve branca. Um grito rompeu o silêncio quando o corpo do homem caiu sem vida, Marzy sentia o coração acelerado ao ver a poça de sangue que tinha em torno do seu pai.

Ele havia dito à profecia que ela viu e o contou minutos atrás, mas agora ele estava ali, morto.

— Matem todos.

Os guardas da Feiticeira Branca não pouparam esforços para cumprirem o que havia sido dito por Sua Majestade. Selena vendo que a amiga não se mexia, puxou-a pela mão em direção a floresta.

— Marzy, precisamos sair daqui.

— O meu pai... ele... morto... por mim.

— Eu sei, eu sei. Meu pai havia visto isso antes de morrer, ele deixou tudo preparado para a minha fuga e para a sua. Mas precisamos ir agora se não quiser transformar o sacrifício dele em vão.

— E o nosso povo? Ela vai matar todos — Marzy disse com dificuldades, pois um nó em sua garganta tornava as palavras difíceis de saírem — E tudo isso por minha causa. Era a minha visão, eu deveria ser responsável. Eu deveria ter morrido, não ele.

— E acha que ela não iria matar todos depois do mesmo jeito? Marzy, eu entendo a sua dor mas precisamos sair daqui antes que nos achem.

Como se as palavras de Selena se transformassem em realidade, as duas puderam ouvir o uivo dos lobos se aproximando de onde elas estavam. A morena trocou um olhar silencioso com a loira antes de saírem correndo pela floresta, deixando tudo o que conheciam de seu povo para trás.

Em seu coração, Marzy só podia desejar que as duas filhas de Eva e os dois filhos de Adão chegassem logo e tivessem sabedoria e força o suficiente para derrotar Jadis, trazendo uma idade de ouro com muita prosperidade para Nárnia.

A profecia estava dita. Seria espalhada por todos os cantos do reino, cantada silenciosamente nas festas e alimentada por corações bondosos enquanto a esperança por dias melhores reinasse no coração dos narnianos.

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