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10/10/1995

Os beijos aconteceram mais algumas vezes, por algumas semanas e alguns meses. Todas as vezes que tentávamos algo a mais, éramos interrompidos por algo ou alguém.

Em uma dessas vezes, quase fomos pegos por Samuel, que desconfiava (e muito) que estava acontecendo algo a mais. Também teve outra vez, onde quase botamos fogo na cozinha enquanto nos beijávamos no balcão de mármore.

Eu estava absorta em meus pensamentos, enquanto o resto do pessoal assistia ao jogo de domingo. Corinthians x Palmeiras, um clássico. Dinho era corintiano roxo e junto de Valeria eles estavam caçoando de Bento, que se encontrava triste por seu time estar perdendo.

- Tô estranhando você quieta hoje. - Samuel comentou e Júlio concordou - Você adora atormentar o Japa italiano.

- É, nunca vi você tão pra baixo assim. - Sérgio observou - Aconteceu algo.

Eu dei um sorriso amarelo enquanto acariciava o Sr. Moustache.

- Eu tô super bem, é só... Estou cansada, a semana foi corrida e estou com saudades de casa. - Suspirei - E vocês? Que estão quietos hoje. Um milagre!

Eles riram

- Eu tô apaixonado, Juzinha. - Samuel suspirou, virando o rosto dramaticamente para Júlio, que tirava uma meleca do nariz.

- O quê? - disse Júlio, sem perceber nada.

Eu e Sérgio caímos na risada. Enquanto eu ria, observei que Bento não parava de olhar para nós, com uma certa desconfiança.

- Droga! - Bento gritou, vendo seu time perder.

Dinho e Valeria gritavam, rindo do Japa, que ria frustrado. De repente, o telefone começa a tocar e Samuel atende.

- Alô? Aham, yes. - Ele olhou com uma careta estranha pra mim e passou o telefone - Acho que é pra você.

Quem havia me ligado tinha sido meu irmão John, com quem eu havia brigado. Ele havia ligado para dizer que não queria que eu fosse para o Canadá no natal desse ano, pois ele iria visitar os nossos pais e não queria me ver nem pintada de ouro, o que iniciou uma longa discussão sobre quem estava certo e quem estava errado. Entenda, a situação pendia pro meu lado. John acha que eu ser musicista é uma carreira falida e eu não acho que ele seja tão bom advogado assim. Já nossos pais preferem não se meter na briga, enquanto meu outro irmão não achava interessante parar a carreira de médico pra me defender.

- Você é um babaca, me ouviu? - gritei enquanto chorava de raiva

- Eu sou o babaca por querer o melhor pra minha irmã mais nova? Não quero que você seja fracassada.

- Enfia um rojão no cu e sai voando! Seu filho da puta, seu bastardo! Vai pro inferno! - xinguei novamente. - Espero que sua mulher te dê um par de chifres e que seu filho nasça parecendo um cabrito!

Todos na sala estavam quietos, olhando para mim como se eu fosse outra pessoa.

- Vai se foder você Juliana, sua imatura irresponsável! Espero que um dia, você veja que essa sua carreira na música não é o certo pra você! - ele gritou

- Enfia a sua opinião no cu! Não quero saber. E outra, eu vou pra Toronto sim! Quero ver quem vai me impedir! Seu otário! Se for preciso, eu levo a puta que te pariu pro Canadá! Levo papagaio, periquito, cachorro, gato, o que eu quiser. Se você se incomoda com a minha presença, por favor morra. - Continuei chorando de raiva, de ódio, eu só queria socar a cara do imprestável que eu chamava de irmão.

- Ok, Juliana Souza. Você quer assim, vai ser assim. Eu vou fazer da sua vida um inferno. - disse o imprestável do meu irmão - Mas não espere que...

Não deu tempo de ele terminar de falar, pois eu simplesmente joguei o telefone na parede. Todos ficaram ainda mais chocados, quando eu levantei tremendo e buscando o maço de Hollywood no bolso da minha calça de moletom, acendendo com o isqueiro e em seguida passando as mãos pelo meu cabelo. Tirei duas notas de 50 do bolso e dei pro Samuel, que era quem havia comprado o telefone.

- Isso paga o telefone e ainda sobra pra gasolina do carro. - Eu disse, com a voz trêmula e subindo pro meu quarto em seguida.

- Ju, meu amor, espera! - Valéria gritou, vindo atrás de mim - O que o John te falou dessa vez? - disse entrando em meu quarto.

Eu não consegui segurar, enquanto eu fumava o meu cigarro eu só conseguia chorar. Era difícil imaginar que a pessoa que me levava pro playground, que me dava chocolate todas as noites e dizia pra mim que a fada do dente existia, era a pessoa que menos acreditava em mim.

Eu consegui resumir a história pra Valéria entre alguns soluços, fumei o maço de cigarro todo, no último cigarro eu já não tinha mais lágrimas pra chorar. Todos os meninos passaram pra ver como eu estava, antes de dormir, menos Bento. Ele não havia nem se importado em passar por lá.

Eu disse a Valéria que ela poderia ir embora, que eu ficaria bem. O que não era verdade.

Assim que ela saiu do meu quarto para ir embora, eu tranquei a porta, não queria mais ninguém no quarto comigo. Queria chorar a noite sozinha, ouvindo Nirvana bem baixinho.

Eu estava quase dormindo quando ouvi uma batida suave na porta. Não quis levantar, mas no fim acabei abrindo a porta.

- Posso entrar? - Bento disse, com algumas coisas em mãos. - Trouxe o que você mais gosta de comer.

- Tem chocolate aí no meio? - perguntei, com a voz chorosa.

Ele deu uma risada soprada e assentiu, então dei passagem para ele entrar no quarto e fechei a porta. Como todos estavam dormindo, acredito que ninguém tenha ouvido ele entrar.

Quando Bento entrou, senti que o ambiente se descarregou. Eu pude deitar no colo dele e chorar copiosamente, sem julgamentos. Ele fazia carinho no meu cabelo e me dava chocolate. Enfim, a pessoa perfeita pra estar comigo naquele momento.

- Você quer ouvir uma piada? - ele disse como quem não queria nada.

Eu sorri, em meio ao choro, e disse que sim.

- Piu. - Ele riu baixinho, enquanto eu dei um tapa fraco no braço dele.

- Você é um idiota, eu amo isso. - falei, baixinho.

Ele sorriu e deu um beijo na minha testa, em seguida se deitou e eu me aconcheguei no peito dele, pronta pra dormir. Bento, acima de tudo, vinha sendo meu melhor amigo e eu nunca vou perder isso. Custe o que custar.

E agora, Creuzebeck?Onde histórias criam vida. Descubra agora