Assim que entrou, Keir já o esperava sentado na estofada e velha poltrona de couro e indicou que o guerreiro fizesse o mesmo.
— O que tem os povos illyrianos? — perguntou Cassian, não dando abertura a outro tipo de assunto.
— Há meses, tenho percebido a redução deles, principalmente mulheres, depois que sua parceira construiu aquela sede — cuspiu as últimas palavras. — Há poucas fêmeas, e estão abandonando nossos costumes.
— Está falando — começou Cassian — dos costumes que Rhys baniu há anos? Não suporto a ideia disso.
O devaneio daqueles machos que cortavam as asas de suas fêmeas, assumindo que era para o bem delas, o irritava. Imaginou se Gatria tivesse nascido com asas e se a cortariam, o que não aconteceria sob seu olhar nem o de Nestha. Mas ele pensou.
— Não posso parar todos os que continuam com essa ideia tola. Mas se me chamar aqui de novo para tratar deste assunto, o meu rosto será a última coisa que verá — rosnou.
Keir não pareceu amedrontado.
— Suas ameaças não me atingem, general — avisou. — Sugiro que resolva isso, ou terei de recorrer a Rhysand.
Cassian levantou-se.
— Ele não fará nada a não ser punir aqueles que desobedecem suas ordens. Ou se esqueceram de que ele é um Grão-Senhor? Deles, aliás? — perguntou.
Keir não soube o que responder, não agora. Viu que o general não estava em seus melhores dias, ou melhor, anos.
"O lugar era escuro e gélido. Ela estava congelando e podia ouvir o som de seus dentes ameaçando quebrar. Abraçava todo o corpo em busca de calor, encolhendo-se no canto da cela minúscula.
Ao amanhecer, ouviu alguém descer e viu a pequena abertura se abrir. Uma mão enluvada empurrou um prato de comida no chão e a fechou em um piscar de olhos."
As aulas daquele dia haviam acabado, finalmente, e antes que fosse espiar mais um dos treinos que observava maravilhada pela destreza dos movimentos de combate das demais, ouviu a movimentação que via de cima.
Enquanto subia, ela passou como um furacão por Gatria. Jannet descia, sendo levada por outras duas Valkyrias Illyrianas que sussurravam para que se acalmasse. Um pouco mais adiante, outras pareciam retirar alguns móveis em estilhaços. O que restara no quarto dela, afinal?
Não viu Gwyn ali; seja o que fosse, certamente não era a primeira vez.
Todas jantavam, e a forma como agiam fazia parecer que nada havia acontecido naquela tarde. Gatria insistia em ligar aqueles pontos soltos; sua mente disparava contra si mesma, forçando-a a pensar, a achar uma lógica, um único ponto.
— Não te vi o dia inteiro — sentou-se Ksora, pondo sua bandeja com o que comeria na mesa.
— O que você quer? — perguntou Gatria.
— Eu esqueci como você é um doce de pessoa — cantarolou Ksora.
— Você não imagina o quanto... — revirou os olhos. — Escuta, sabe me dizer se Gwyn está na diretoria?
Ksora puxou na memória, tentando lembrar.
— Não a vi desde a tarde, mas creio que sim.
— E Jannet?
Ksora não escondeu o espanto; sabia da pequena rixa entre as duas. Gatria esperou sua resposta.
— Está ocupada.
— Você sabe o que aconteceu com ela esta tarde? — aquela pergunta soou investigativa.
De certa forma, ela sabia o motivo, mas sabia que estava restrita a dar certas informações a novatas. Pessoas como Gatria eram perigosas, tão perigosas.
— Você sabe — Gatria observou a mudança em Ksora, que tentou esconder e falhou. Talvez um certo envolvimento.
— Do-do que está falando? Eu não sei de nada — afirmou Ksora.
Gatria riu.
— Acredito em você. Aliás, não lhe contei uma nova escolha que fiz hoje assim que o sol despontou dos céus — apoiou o belo rosto nas mãos.
— E qual foi? — perguntou Ksora, aliviada por ela ter mudado de assunto.
— Ser uma pessoa melhor — uma mentira. — Você sabe, as aulas estão me fazendo refletir, e a mudança é necessária.
"A mudança é necessária."
Balançou a cabeça ao se lembrar daquela frase uma vez lançada contra ela.
Ksora não parecia convencida, mas aquela ideia lhe pareceu tão verdadeira que cogitou ser real.
— Mudanças? Que mudanças? — perguntou.
— Bem, a conversa foi ótima, mas preciso ir. Boa noite — levantou-se Gatria.
Já sabendo para onde iria e o que faria, observou minutos antes para ter certeza de que não seria seguida e tomou aquele caminho tão conhecido por ela.
Não era burra para entender o que estava bem abaixo de seu nariz. Seus passos mal faziam som enquanto caminhava. Quando abriu aquela porta, lá estava Jannet de costas para ela, sentada e focada, talvez mentindo como ela.
— Quem está aí? — perguntou fria, sem nem mesmo abrir os olhos fechados.
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Renegados
FanfictionAbandonada à própria sorte na Corte Invernal, Gatria sobreviveu à dor e à traição, moldando-se em algo muito mais poderoso do que qualquer um poderia prever. Em uma Prythian dividida entre o passado e a nova ordem, a batalha pelo controle das terras...