Capitulo 3 - gaveta aberta

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O relógio já marcava dezoito horas quando Fabiana trocou-se as pressas. Sempre levava uma roupa reserva para voltar para casa, seu pai a trancaria a sete chaves para que nunca mais voltasse ao hospital caso lhe visse com as roupas sujas de sangue.
Saiu do hospital a passos largos enquanto contava as horas para o dia seguinte, pois no dia seguinte veria Lucas novamente, aquele médico corajoso, bonito, gentil e que a fez sorrir. Foi só nele que ela pensou enquanto caminhava de volta para casa.
Tentou esconder o sorriso quando pisou no primeiro degrau da escadaria da mansão e falhou.
Ainda assim, tentou se conter, sabia que todos deviam estar reunidos na sala de estar tomado chimarrão quando entrou, mas para sua surpresa, estava vazia. O silêncio reinava soberano como se ha muitos anos habitasse ali.
Fabiana Estranhou e seguiu em frente, aquilo devia ser um presságio de boa sorte. Não precisava ser vista com seu penteado desfeito e com olheiras destacando os olhos, e não podia ser vista com aquele maldito sorriso que seu pai veria mesmo se ela tentasse não sorrir.
Agradeceu por não ter ninguém ali e seguiu pelo corredor lateral, usaria a escada dos fundos, há tempos já havia se acostumado a andar como se fosse uma sombra, sem ser vista ou ouvida. Não era tão difícil, já havia se acostumado com o fato de que ninguém naquela família via seus sentimentos, assim como ninguém ali ouvia o que ela tinha a dizer.
No meio daquele caos, era fácil pensar em Lucas, embora só houvesse o conhecido há poucas horas, algumas pessoas não precisam de muito tempo para marcar nossa vida.
Mas dissipou a multidão destes  pensamentos quando pareou na frente do escritório do pai, a porta estava entreaberta, curiosamente ele também não estava ali. Mas não foi sua ausência que perdeu o olhar de Fabiana que fechou os olhos com força e os abriu novamente.
A gaveta estava aberta.
Tentou resistir a vontade de entrar no escritório, a curiosidade de ver o  que havia dentro daquela gaveta que nunca era aberta, que era trancada por uma chave prata que Emiliano guardava em um cordão no pescoço por baixo da camisa, mas falhou miseravelmente.
Permaneceu parada na porta, então olhou para os dois lados do corredor e não viu ninguém. Adrenalina pulsava em suas veias, medo do que aconteceria se eu fosse pega, não duvidava que ele mesmo, seu próprio pai, lhe açoitasse.
Embora na casa não falassem disso, tanto Fabiana quanto sua mãe – Flávia Cândida Cerqueira – sabiam que aquela gaveta não guardava contratos de arrendamento e documentos de família, e nem os recortes de jornal que falavam do assassinato de seu avô paterno.
As duas mulheres sabiam bem que Emiliano não cuidaria tão bem daquela chave se a gaveta só contivesse isso.
Fabiana não se orgulhou da tremedeira que tomou conta de seu corpo quando empurrou a porta, nem dá coragem que lhe faltou quando deu um passo para trás olhando pela ultima vez se o corredor estava de fato vazio.
Entrou no escritório.
O cordão com a chave da gaveta, nunca antes visto fora do pescoço de Emiliano, estava sobre a mesa. Receosa ela deu um passo a mais em direção a gaveta.
Desde criança desejava secretamente saber o que havia dentro dela, não só pelo fato da chave sempre estar junto de seu pai, mas também pela  irritação de Emiliano sempre sua esposa questionava sobre o que tinha na bendita gaveta ou sobre a chave em seu pescoço.
Fabiana sabia que não tinha todo tempo do mundo, em breve seu pai chegaria, afinal ele era Emiliano Cerqueira e nunca seria tão descuidado com seus segredos.
Aproximou-se com cuidado e abriu a gaveta.
Um mapa de São José do Norte estava por cima, com territórios marcados em um x vermelho, entre eles, o Nazareno marcado co um circulo verde, mas não era sobre isso, em baixo do mapa, uma caixinha preta.
Retirou o mapa com cuidado e esticou a mão tocando a caixinha de veludo
Fabiana precisou segurar o grito quando um miado ecoou atrás dela.
- O que você faz aqui Rajado? – Pegou o gato no colo, ele não costumava entrar no escritório.
Passos fortes surgiram no corredor, Fabiana bem conhecia aqueles passos pesados e firmes, aquela obstinação que faria os exércitos de Napoleão desertarem. Era seu pai.
Não houve tempo para correr,  se esconder, ou sequer para pensar.
Ele entrou no escritório, quando a viu ali, parada, com o gato no colo, seu olhar se tornou ainda mais severo.
- O que você está fazendo? – Ele perguntou.
- Ah eu, eu ouvi o rajado miar e vim pegar ele. – Emiliano pareceu acreditar.
- Pois suma com esse gato daqui, ele larga pelos no meu escritório.
- Sim senhor. – E ela disparou pelo corredor em alta velocidade com o gato amarelo e gordo ainda nos braços.
O coração da moça ainda estava disparado quando  trancou a porta do quarto.
- Você me salvou de ter de ficar trancada em porão escuro por longos meses. – Falou acariciando a cabeça de Rajado. – É meu dia de sorte.
Voltou a pensar em Lucas, sorte era encontrar alguém como ele em uma quinta feira qualquer.
Um pensamento curioso lhe ocorreu, se ela ficasse trancada em casa, se eu não aparecesse mais no hospital, Lucas a procuraria? Não podia saber a resposta, mas seu coração escolheu acreditar que sim, ele lhe procuraria.
No canto do quarto a grande banheira já havia sido enchida pelas criadas. Fabiana caminhou até lá, percebeu que a água estava fria, não se importou com o frio, retirou a roupa branca suja do hospital e entrou na água, estava ocupada demais tentando se convencer de que contos de fadas não existiam e que Lucas Fontana era real

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