Capítulo 9 - Cartas

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Elena sorriu e abraçou a carta com toda força, agarrou-se a carta, era como se estivesse afundando no mar e encontrasse uma tabua, era como se encontrasse uma fortaleza em plena tempestade.

O nazareno silenciou-se enquanto a mulher passava, enquanto a mulher sorria, enquanto caminhava pelos corredores exibindo aquele pedaço de papel.

Não se ouvia mais pessoas tossindo, não se ouvia mais o farfalhar da falta de ar, era como se todos ansiassem por capturar um pouco da esperança, da vida, que ela estava emitindo.

- Meu marido enviou uma carta. – Ergueu o envelope para dona Esmeralda, a recepcionista não pode deixar de notar que com o coque alto, a desnutrição e a palidez, a única coisa que diferenciava a mulher viva dos mortos era o sorriso que agora brilhava em seu rosto.

- Eu sempre soube que a carta chegaria. – A mulher escondeu a surpresa ao mentir.

- Você viu Fabiana? Vou pedir que ela leia para mim, Fabiana sempre acreditou que a carta chegaria, assim como eu.

- Está na ala infantil.

A recepcionista havia reparado que Fabiana andava passando muito tempo na ala infantil recentemente, também reparou nos olhares e cochichos com o médico Lucas, era como se isso houvesse aflorado instintos femininos nela.

A voluntária havia passado de menina para mulher, e uma mulher forte para com o mundo e suave para com Lucas.

- Fabiana, Fabiana... – A mulher sorriu e a enfermeira temeu – meu marido, ele enviou uma carta, eu sabia que ela chegaria, eu fui avisada nos sonhos.

Os olhos de Fabiana se voltaram para o envelope, e não foi a falta de selo que chamou sua atenção, foi a caligrafia que tão bem conhecia, a carta não era para Elena, era de Lucas, para ela.

- Leia para mim Fabiana, bem sabes que essas dores de cabeça me embaçam a visão.

E quando abriu a carta, Fabiana não teve coragem de tirar da mulher a

Esperança que dela emanava, aquela chama de alegria que brilhava em seus olhos. A enfermeira temeu que se tirasse isso de Elena ela morreria, ela se entregaria a dor e a solidão e deixaria de lutar, de seguir tentando sobreviver. Então, mesmo com escrúpulos, Fabiana mentiu ao abrir a carta e forjar a leitura:

- " Minha Cara Elena , não está escrito no mundo a falta que sinto de você ...

Mentira, mentira e mais mentira.

Para aquele homem que havia a jogado ali definhando para que morresse, Elena não era cara, tão pouco sentia sua falta.

- Espero que e esteja melhorando, espero esteja bem e que a saudade de casa lhe faça ter forças para se curar logo, para voltar para mim que com carinho lhe espero. E quando voltar, prometo que não será como antes, cuidarei de você! "

Fabiana podia continuar mentindo, poderia ter continuado inventando aquela história, mas não teve coragem , no fundo sabia que não podia fazer aquilo com Elena.

Não conseguia manter aquela farsa, deveria agarrar coragem do fundo da alma e falar a verdade, mas falhou ao erguer a cabeça e encontrou o olhar da mulher.

Elena chorava, de alegria, de esperança, de amor.

A voz de Fabiana falhou ao dizer:

- Eu ... Eu vou ficar com a carta, só um pouco para anotar o endereço, para que mais nenhuma se perca.

A mulher assentiu, mas seus olhos e seu coração estavam longe, estavam do outro lado do oceano.

- " Não vai ser como antes, ele vai cuidar de mim, ele disse que vai cuidar de mim Fabiana . – Falou aquilo como se entoasse uma oração.

Uma promessa para Elena, aquela mentira havia sido uma promessa.

- Obrigada Fabiana, por ter sido o envelope desta mensagem.

A enfermeira engoliu em seco, então fechou os olhos e respirou fundo, sem coragem de agradecer, sem coragem de desmentir.

Então ela sentiu de algum modo, que Elena não era uma fracassada ou uma pobre coitada que havia ido parar no ninho de ratos, era uma sobrevivente.

Sobreviveu a guerra, sobreviveu aos horrores que devia ter vivido nas mãos do marido e ainda era capaz de lhe amar, também sobreviveria ao nazareno.

Ereta Elena saiu daquela sala, e misteriosamente depois daquele dia, os pulmões da mulher começaram a melhorar. 

O nazarenoOnde histórias criam vida. Descubra agora