Emiliano bateu a porta do quarto com força e arremessou um vaso de flores na parede.
Normalmente Flavia teria dado um pulo de susto, mas com vinte anos de casamento já esperava aquela reação dele.
Havia um preço alto a se pagar por ser a esposa do coronel, os pitacos do homem e dores de cabeça cada vez mais freqüentes estavam no pacote.
- Aquele preto desgraçado!
- Você fez o que precisava ser feito. – Flavia havia se tornado especialista em manter o rosto uma mascara de serenidade mesmo quando o medo lhe assolava o coração.
Quinze minutos, foi o tempo que havia levado para se apaixonar por Emiliano. E quinze anos foi o tempo que levou para deixar de sentir medo dele.
Agora sabia que ele não faria mal a ela, não a ela, o marido a devotava.
- Aquele homenzinho, aquele forasteiro, teve a ousadia de acompanhar aquele maldito padre sabe o diabo para onde.
- Ouvi as mexeriqueiras da vila dizerem que ele é um médico recém chegado da capital, esta no Nazareno. – Ela falou com a maior naturalidade enquanto retirava os brincos de perolas.
- Pois era de se esperar que estivesse enfiado no ninho de ratos.
Com porte de rainha ela caminhou até o marido. Flavia possuía artimanhas femininas. Beleza e sedução eram armas que sabia usar.
Em breve se preocuparia em ensinar aquilo para Fabiana, sua cabeça doía só de pensar em como transformar a filha desajustada e teimosa em uma dama com rosto de donzela e astucia de cortesã.
Tocou o peito do marido, precisava trazê-lo de volta para o agora, para si. O único jeito de estar seguro durante um furação era sendo o centro dele.
Emiliano olhou no fundo dos olhos da mulher , mas aquela raiva ainda estava ali.
Tocou o rosto dela com todo pouco amor que havia em seu peito, e todo aquele pouco amor pertencia a ela e somente a ela. Claro que o coronel Cerqueira já tivera amantes, mas cada vez que voltava dos bordeis, tratava Flavia com mais reverencia que uma rainha, flores, jóias, atenção, eram noites onde ele era mais doce com ela.
Flavia por sua vez, nunca se permitiu errar.
Nem mesmo um misero deslize.
- Flavia, Flavia...
- Estou aqui meu amor.
- Você me deixa louco mulher.
- Não, eu te trago de volta para a realidade.
Emiliano riu, não merecia Flavia, ele bem sabia disso.
- Mil vidas eu te escolheria para minha esposa, só você é digna, só você é perfeita. – Beijou o pescoço dela – e é minha mulher.
- E você é o meu coronel. – Ela se aproximou , os lábios dela roçando os dele, mas ele não prosseguiu , aquela nevoa sombria havia voltado para seus olhos. – Amo você! – Ela disse na esperança de trazê-lo de volta para si.
- Eu sei querida, eu sei. – Emiliano caminhou até a penteadeira que ficava na lateral do quarto – Preciso que vá até meu escritório. – Ele lhe estendeu a mão com a chave negra. – Traga tinta e papel, preciso convocar os melhores capangas para irem até a capital e descubram tudo sobre o tal medicozinho.
- E o que você pretende fazer?
Emiliano daria uma bofetada em qualquer outra pessoa que ousasse lhe indagar tal coisa em vez de obedecer imediatamente sua ordem, mas era Flavia e ela era perfeita. Então somente respondeu:
- Eu vou destruir tudo o que ele ama.
Mas o coronel ainda não sabia que o Lucas mais amava era Fabiana, era sua filha.
Pouco importava , se era o preço de sua vingança, ele pagaria.
- Flavia. – Chamou a esposa que já cruzava a porta do quarto.
- Sim ?
- Seja rápida, e depois, seja minha. - Flavia sorriu satisfeita e seguiu para o escritório.
Ser perfeita, ser tudo o que Emiliano queria que ela fosse, não se permitir errar.
Entrou no escritório, a luz do lampião acesso estava fraca, mas ela fez o que devia fazer, não podia deixar Emiliano esperando.
Com papel e o tinteiro em mãos deu uma ultima olhada no escritório silencioso. Quantos segredos haviam vivido e morrido ali? Quantos destinos haviam sido traçados naquela sala?
Coincidentemente aquela maldita gaveta antes sempre trancada estava aberta.
Era estranho que Emiliano andasse esquecendo tantas vezes aquela gaveta aberta, de certo estava mexendo demais no passado que escondia ali.
Aquela intuição lhe dizia para olhar a gaveta, só uma espiadinha rápida, Emiliano não saberia, nem mesmo suspeitaria,
Mas Flavia não se permitira errar, não com ele, não com o coronel, com seu esposo.
Flavia nunca soube que seu erro foi não se permitir errar.
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O nazareno
Historical FictionNão é um romance qualquer, um mistério, segredos, uma tragédia e um amor diferente de tudo que você ja viu.