O mais difícil do fim é começar de novo

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2 de abril, 2018

— Oi, Ms Bloom. Demorei? - Liam hesitou um pouco antes de entrar no ambiente, para mais uma das sessões com a sua psicóloga.
Com isso, Christine voltou seu olhar ao menino parado na porta, mochila nas costas, capuz e headphone.
A mulher alta e de cabelos longos foi de encontro a Liam, numa tentativa de encorajá-lo a entrar na sala, coisa que funcionou.
Ele pendurou sua mochila num suporte, tirou o headphone e sentou-se à frente da mulher, que antes de começar a sessão, ofereceu chá com alguns biscoitos.
Por mais que não tivesse apetite, Liam pegou um biscoito com gotas de chocolate e recheio de Nutella.
Estava realmente bom, fazia tempo que ele não tinha paladar suficiente para perceber.
— Obrigado. Disse ao terminar de comer.
— Certeza que não quer mais um ou um pouco de chá? Christine perguntou gentilmente.
— Sabe que não tô com muita vontade,né? Liam explicou enquanto tentava fugir do contato visual.
— Vamos começar?
A jovem psicóloga sugeriu ao menino a sua frente, que balançou a cabeça assentindo.
— Liam, como tem estado desde a nossa última sessão? — Tomou os remédios no horário certo, tem feito exercícios físicos e saído de casa com mais frequência?
Enquanto perguntava, Christine anotava tudo na ficha.
— Até tento, mas os efeitos colaterais ainda estão fortes. — Os meus amigos me chamaram para voltar a gravar vídeos, treinar na equipe de skate e as minhas aulas voltaram hoje.
— Liam, você não pode desistir dos remédios, sabe disso, sim? — Eles demoram um pouco para fazer o efeito desejado no organismo, mas vai valer a pena. Ele assente.
— Que notícias boas, garoto. — Fico feliz que tenha interagido mais com eles, isso é um progresso.
— Sim é.
— À propósito, como foi o seu primeiro dia de aula? — Quer falar sobre isso?
Com a pergunta, vieram também as lembranças recentes. Liam sentiu seus olhos arderem e um nó se formou em sua garganta, mas ele respirou fundo, secou as lágrimas e contou para ela.
— Finalmente a ficha caiu, não,  despencou. — Quando cheguei lá, os professores falaram bastante com cada um de nós, algumas pessoas se aproximaram do nosso grupo, conversando e tudo mais. — Mas... meu Deus do céu, ninguém imagina como doeu ver aquela carteira vazia em todos os horários que a gente tinha aula junto, foi a pior experiência de todas, sabe. — Eu não sou muito bom com as palavras, então tem uma música que gostaria de te mostrar. — Ela se chama "She Couldn't". —Obviamente só muda o pronome, mas retrata exatamente como me sinto. — Tudo bem se te mostrar? Pediu.
— Claro Liam, fica à vontade. Ele deu um sorriso carinhoso enquanto preparava seu celular, um tempo depois os acordes inconfundíveis e a voz potente preencheram o ambiente 

— Quer dizer que temos um soldierzinho aqui, Liam?
O tom de Christine era animado, quebrando o clima ainda mais doloroso que se instalou ali.
— Você já conhecia, mesmo sendo underground? Liam se surpreendeu.
— Meu irmão mais velho é super fã desde que lançaram o Hybrid Theory. — E já foi em vários shows inclusive. — Mas voltando ao nosso assunto, duas coisas na letra me chamaram atenção. — Um trecho da estrofe, que diz,  "ela sabe que não vai decepcioná-la" e a parte do refrão "você sabe que não está sozinho". — Faço deles as minhas palavras. — Liam, o melhor jeito ainda que doa, é honrar a memória das pessoas  que partem, mesmo antes de nós seguirmos em frente. Ele a ouvi com atenção. — E te garanto desde já, que você é mais forte do que pensa.
O garoto permanece calado.
— O simples fato de se levantar da cama, ir para a escola, voltar a gravar com seus amigos e estar tão focado nas nossas sessões, demanda muito e é uma conquista.
Ele assente com os olhos lacrimosos.
— Por isso,t enha sempre em mente que seu namorado está em paz, pois ele sabe que você não irá decepcioná-lo Liam. — Pode parecer o contrário e essa ausência física te deixa sem rumo, mas você sabe que não está sozinho, certo?
— Sim, sim... ao menos tento enxergar…

*********

Liam hesitou muito antes de fazer aquele vídeo. Parte dele queria se abrir, falar sobre o que acontecia, ele recebia muitas perguntas em suas redes sociais, ainda que nem tivesse respondido nenhuma.
O problema era que também se sentia intimidado por antecipação, já que sabia o quão cruel aquele mesmo ambiente virtual poderia ser. Na verdade, o garoto tinha medo de si mesmo, tinha medo do que a sua mente às vezes se tornava... Mas ele estava lutando para ser forte e não fazer nenhuma besteira.
Esse vídeo não era nada planejado, não era no estúdio, ou mesmo com os meninos... Na verdade, nem tinha um roteiro ou algo parecido. Seria o mais espontâneo de todos... Espontâneo e doloroso.
Deu uma checada no quarto, estava bem organizado, limpo e afins, ligou o tripé e começou com o objetivo de não deixar nenhuma lágrima cair.

Em cada cicatriz,uma história.Em cada história,uma canção Onde histórias criam vida. Descubra agora