Eu me lembro de cada detalhe do dia em que te conheci, se eu fechar os olhos consigo voltar para lá agora mesmo. Sinto o sol morno aquecendo meu corpo, mas não meu rosto, a grama pinica minha pele por baixo da toalha estendida no chão, não vejo nada porque meu rosto está coberto por um chapéu que comprei em um brechó por 2,85. Era o primeiro dia de sol do verão, todo meu corpo irradiava alívio e leveza com a pausa nos dias chuvosos da última primavera, o ar cheirava a grama recém-cortada, churros e respingos de cerveja do grupo sentado mais próximo de mim. Outro dia li na internet que o cheiro agradável da grama cortada na verdade é um mecanismo de defesa pela agressão do corte, mas naquele dia não sabia disso, minha alegria era genuína e imperturbável. Até uma forma peluda se jogar em cima de mim e me deixar sem ar.
— Que p...
Levanto no susto e deixo o chapéu cair para ver o que tinha me atingido. Dou de cara com um cachorro enorme que não perde tempo, arrebata o chapéu do meu colo com a boca e sai correndo para longe de mim antes que eu possa entender o que está acontecendo. Olho o bicho correndo aos saltos com meu achado da Park Road na boca, como se tivesse achado um tesouro, só posso imaginar a cara de descrença que estou fazendo. Um casal à minha direita ri discretamente do acontecido e eu fico dividida entre perguntar qual é a graça e cair na risada também.
Alguém para bem na minha frente, cobrindo o sol, e me estende o chapéu, agora úmido com baba de cachorro e um pouco torto nas bordas. Movo a cabeça para tentar ver o rosto dele, mas o efeito da luz me cega. Suponho que seja o dono do cão e estou pronta para armar um barraco sobre cães perigosos sem guia etc.
— Você vai me desculpar, não vai? – ele pergunta quando aceito o chapéu. — Ele é grande, mas é um bebezão.
Como se tivesse pressentido que alguém falava dele, o pastor alemão vem dançando e para ao lado do estranho, que se abaixa para fazer um carinho atrás da orelha do cachorro.
— Um grande bebezão, não é? – ele fala com uma voz que normalmente as pessoas só usam com bebês e animais fofinhos. — Mas a gente precisa se desculpar com a moça, Koda.
O cachorro lambe a mão do dono e senta mais bem comportado do que nunca, com a língua para fora. Agora eu posso ver o rosto do cara. Ele tem olhos azuis, muito azuis, e eu me sinto invadida, como se ele tivesse a capacidade de ler cada pensamento que já tive na vida. Não olha para mim, ainda tem olhos só para Koda, então aproveito para observar mais um pouco. Seu sorriso forma uma covinha tão profunda na bochecha que só pode querer dizer que ele gosta de sorrir o tempo todo, o que ele realmente fazia desde que se aproximou de mim. Parece que não tem pressa de ser perdoado, seu prazer era ficar ali sendo observado enquanto demonstra seu carinho pelo cão. Engulo a saliva, sentindo o movimento da minha língua, depois da faringe, ouvindo o som que meu corpo faz só para produzir esse movimento simples.
— Koda, você tá perdoado – Ofereço minha mão para ele, que a cheira com empolgação e depois a lambe. Sinto que fui aprovada em alguma coisa, mas não sei bem o que pode ser. — Mas seu dono não tá, não.
Indiferente ao meu tom repreensivo, talvez porque eu tinha sido legal com o cachorro, ele se vira para mim, o queixo apoiado nos dedos entrelaçados. Seu rosto se contorce numa careta, uma sobrancelha erguida, e ele volta a sorrir, dessa vez mais contido, como se tivesse resolvido um mistério.
— Meu nome é Gael. E o seu?
Conforme fala, seu sorriso se abre e a covinha aparece de novo, se prolongando pelo lado do rosto.
— Cecilia – digo depois de uma eternidade, ou pelo menos me parece assim.
— É um prazer, Cecília. Eu vou pagar pelo chapéu. De verdade, me desculpa.
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Você, ele, nós | Barry Keoghan + Andrew Garfield fanfic
FanfictionVocês estão preparados pra conhecer Gael, Cecília e Ethan? Cecília é escritora e acabou ficando por Londres, ela quer ser roteirista. Depois de um encontro com o cachorro de Gael, eles se apaixonam e a vida é linda. A chegada de Ethan complica tudo.