Capítulo 2

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Suspiro e passo as mãos pelo vestido preto mais uma vez para ter certeza de que não está amassado. Analiso minha imagem no espelho, pareço tão outra pessoa que fico com medo de não me reconhecerem. Esse vestido foi entregue de manhã em um saco de lavanderia pelas mãos de um assistente apressado de uma grife importante cujas roupas eu nunca considerei nem olhar em vitrines ou desfiles de tão caras que elas são. E agora estou vestindo ele. Gael aparece atrás de mim e beija minha nuca.

— Você é a pessoa mais linda mundo, sabia?

Estico o pescoço e beijo sua bochecha. Ele ajeita o paletó e eu o admiro pelo espelho, com o cabelo bem cortado e sapatos chamativos em contraste com o terno azul escuro. Penso que parecemos bem legais, afinal de contas. Gael nasceu para isso, ele adora esse tipo de evento, as entrevistas intrusivas com microfones enfiados na sua cara, os fãs gritando com os celulares estendidos, os flashes brilhantes e os fotógrafos desesperados por trás deles. Enquanto tudo isso acontece eu me torno invisível, evitando aparecer acuada no fundo das fotos porque isso me deprime depois. Eu não fui feita para os holofotes, mas também não me sinto confortável sendo a acompanhante que os assessores tentam obrigar a aparecer em algumas fotos que vão surgir em sites de fofoca e posts maldosos de moda. Nesses momentos sinto que minha vida não é real e essa sensação me entorpece, os sons ficam abafados e tudo que vejo é um borrão.

Conversamos sobre isso algumas vezes e naturalmente chegamos a um equilíbrio entre minha sanidade mental e o apoio que quero dar a uma das pessoas mais importantes da minha vida. Então se você procurar por aí, vai ver que Gael leva muitas pessoas como acompanhante, basicamente qualquer amigo que queira ter um gostinho do glamour da indústria cinematográfica e esteja livre na data. Mas sempre que sinto que é importante para ele que eu esteja lá, eu estarei. Por isso, meia hora mais tarde, eu respiro fundo, aceito a mão que Gael estende para mim e saio do carro.

Passamos duas horas imersos em um drama denso e Gael sorri e beija minha mão quando percebe que estou chorando. Eu sou uma chorona, mas ver ele sofrendo, mesmo que de mentira, me deixa num humor muito estranho, como se nunca mais eu fosse ser feliz. Quando o filme acaba a sala explode em aplausos, eu enxugo as últimas lágrimas e dou um longo abraço em Gael. Passamos a um grande salão já cheio de garçons com bandejas cheias de pequenas porções de comidas. Nós enchemos guardanapos com elas e comemos escondidos em um canto antes das pessoas começarem a se aproximar com elogios extravagantes e tapinhas nas costas.

Estou começando a desassociar depois do terceiro homem de óculos na casa dos sessenta dizer as mesmas coisas que seus antecessores, mas tento manter o sorriso. Gael continua animado como da primeira vez e eu morro de orgulho por isso, mas não posso mais. Olho em volta e vejo Anna, uma atriz que trabalhou com Gael em outro filme e que conheci em um jantar. Ela acena para mim e meu desespero para falar com alguém que saiba quem eu sou é tão grande que quase corro para me aproximar dela.

Ela diz que é bom me ver e conversamos sobre o filme por um tempo. Ela me conta que vai estrear no teatro e me convida para ver a peça na semana seguinte. Eu digo que estarei lá com certeza e ela me agradece.

— Está trabalhando em algum roteiro novo? – ela pergunta em voz baixa, como se eu trabalhasse com segredos de estado e não com filmes independentes.

Eu sorrio e tento explicar algo do enredo para ela sem infringir as regras do meu contrato, e ganho uma barrinha de energia com essa conversa. Quando Anna é convidada a conhecer alguém que alguém conhece, fico sozinha de novo e decido pegar um ar, mas me debato pensando em como fazer isso sem dar de cara com os fotógrafos que geralmente ficam em vigília do lado de fora das festas para pegar alguém saindo bêbado e fazer perguntas indiscretas.

Descubro uma porta lateral que deve ser usada para trazer equipamentos e dá em uma garagem e saio por ali. Não é bem o ar fresco que eu precisava, mas pelo menos está vazia. Abro a bolsa minúscula que trouxe comigo e mais uma vez me surpreendo que meu celular caiba nela. As únicas duas outras coisas ali dentro são um isqueiro e um baseado, que eu tiro cuidadosamente, avaliando se sobreviveu ao espaço confinado. Penso em sentar no meio-fio que separa as vagas da área de pedestres, mas fico com pena do vestido e encosto na parede, desejando o sofá de casa mais que tudo. Acendo o cigarro e vejo a ponta queimar rapidamente antes de tragar. Em segundos sinto meu corpo relaxar e penso que se o vestido não sobreviver a uma sentada no chão, então não vale o que custa. Ensaio uma forma de me abaixar sem rasgar o vestido, completamente desajeitada, e por pouco não queimo a barra com o cigarro. Escuto um riso baixo e me endireito, já sentindo o calor da vergonha subindo pelas minhas bochechas, mas de uma forma mais amena do que o normal.

Você, ele, nós | Barry Keoghan + Andrew Garfield fanficOnde histórias criam vida. Descubra agora