O leilão

Capítulo 14

Dias atuais

Continuação

SN

Eu estava ali, encostada na porta, as mãos ainda tremendo com a violência das palavras que ele tinha dito. O eco das suas declarações parecia reverberar por toda a casa, tornando cada respiração minha mais difícil de controlar. As palavras dele estavam se infiltrando nas minhas veias, queimando com um veneno que não conseguia expelir. Eu ainda não conseguia entender o que ele realmente queria de mim. O que ele achava que estava fazendo?

Eu olhei para o vazio do quarto, onde ele não estava mais. A solidão se arrastava como uma sombra fria, cobrindo cada canto da minha mente. Ele tinha ido embora. Mais uma vez, ele tinha desaparecido. Mas desta vez, eu não sabia se queria que ele voltasse. Eu não sabia se conseguia suportar mais um jogo de poder entre nós.

Eu me sentei na cama, a cabeça pesada, as palavras flutuando em minha mente como um turbilhão. "Eu te comprei, SN." Como eu poderia esquecer isso? Como ele poderia me dizer isso? Como ele poderia ser o responsável por tantas mentiras, por tantas traições, se dizia que estava fazendo isso por mim?

Era tudo tão confuso, tão sujo. Ele falava como se fosse a coisa mais normal do mundo ter manipulado minha vida daquela forma, me tirado de tudo o que eu conhecia, só para me manter "segura". Mas, em troca de que? Em troca de um controle disfarçado de proteção? E, pior ainda, ele me comprou, como se eu fosse uma mercadoria, um bem que poderia ser possuído.

Eu não conseguia afastar o gosto amargo que ele tinha deixado. Ele me comprou. Eu repetia essas palavras na minha mente, tentando encontrar alguma lógica nelas. Algo que fizesse sentido. Mas nada fazia sentido. Nada.

A raiva fervia em meu peito, mas havia algo mais... algo que eu não queria admitir. Uma parte de mim ainda queria acreditar nele, ainda queria que as coisas fossem diferentes. Mas como? Como confiar em alguém que se tornou o reflexo de tudo o que meus pais eram? Ele estava apenas repetindo o ciclo. Ele também estava se tornando um homem que usava o controle para proteger... ou para destruir?

O som do trinco da porta me fez saltar para trás. Eu sabia que ele não estava mais ali, mas o medo de vê-lo voltar de novo, de confrontá-lo, ainda me paralisava.

Meus pensamentos estavam se misturando, formando um emaranhado caótico. Por que ele tinha que voltar agora? Por que eu tinha que lidar com tudo isso depois de tanto tempo? Eu passei todos esses anos tentando me reconstruir, tentando deixar o passado para trás, e agora ele aparecia, jogando mais fogo naquilo que eu tentei apagar.

Eu respirei fundo, tentando encontrar alguma calma. Mas como? Como encontrar paz quando o homem que eu ainda amava , o homem que nunca consegui esquecer, estava ali, jogando minha vida de volta para as sombras, desenterrando todas as cicatrizes que eu pensava que estavam curadas?

Levantei-me da cama e caminhei até a janela. Lá fora, a cidade parecia tão distante, tão indiferente ao que estava acontecendo dentro de mim. Tudo lá fora seguia, sem se importar com o turbilhão dentro do meu peito. Eu olhei para as ruas vazias, tentando encontrar alguma resposta nos prédios que se erguiam como muros, tão firmes, tão seguros. E eu ali, quebrada, perdida, tentando entender onde minha vida tinha chegado.

A voz dele ressoava em minha mente novamente, como um fantasma.

- Eu te comprei. Mas eu não fui eu que te fiz ficar aqui. Isso foi a minha forma de te proteger.

Proteger? Eu queria rir. Proteger de quê? De meus pais? Ou proteger a si mesmo de perder o controle sobre mim? Eu não sabia. E, de alguma forma, o que mais me machucava era o fato de que ele, ainda que tivesse feito isso para "me proteger", estava me empurrando para um canto. Para um lugar onde ele também tinha poder sobre mim.

Eu me virei para o espelho, olhando para o meu reflexo, tentando encontrar algo de familiar, algo de quem eu costumava ser. Mas tudo o que vi foi uma estranha, uma versão de mim que estava sendo moldada por forças que eu não controlava. A raiva, a dor, o medo... tudo isso me consumia.

Continua...