#02: Woodcottage

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     Herdar os bens de meu tio não me encheu com mais vaidades. Eu me sentia exausto só em pensar no enorme trabalho de administrar tudo aquilo. Além de North Grand House e de nossa vinícola na França, agora teria mais terras para chamar de minhas, sendo assim, mais tarefas e compromissos para chamar de meus.

     Quando contei a Anastasia, ela ficou encantada com a ideia de estarmos perto de Londres. Ela sempre adorava os bailes e as pessoas que costumava conhecer nas festas e vilarejos do interior. Eu, por outro lado, achei bom continuar na Inglaterra por mais um tempo. Falar Francês o tempo todo me deixava meio tonto e confuso.

     Seu aniversário de 15 anos seria dentro de um mês e, para ela, era muito conveniente debutar em Londres, onde conhecia muitas pessoas. Sendo assim, aproveitamos que as carruagens já estavam sendo organizadas para a nossa partida e saímos de North Grand House rumo à Woodcottage. Após um dia de viagem, chegamos à propriedade que eu herdara de meu tio.

     A mansão de meu tio era realmente grandiosa. Meia hora antes de chegarmos à propriedade já a avistávamos no alto de uma colina. Cercada por grama verde recém aparada e tendo um bosque robusto ao fundo, parecia um pequeno palácio.

     Foi ao chegar mais perto da propriedade que percebi o ar sombrio que pairava sobre aquele lugar. Nuvens de chuva pareciam se formar apenas ao entorno da residência e os cavalos começaram a ficar agitados diante de uma forte ventania. Recebidos por todos os criados enfileirados diante da escadaria principal, eu, Anastasia e Robert corremos para dentro, buscando fugir do forte vento, enquanto os criados que nos acompanharam de North Grand House tentavam segurar os nossos pertences, impedindo-os de voar.

     Dentro do hall de entrada da mansão tudo estava silencioso, exceto por um barulho fino de vento que tilintava nos lustres do teto. Um arrepio forte fez meus pelos do pescoço eriçarem e, quando olhei para Anastasia, ela parecia estar sentindo o mesmo.

     Barulhos de pegadas quebraram o silêncio e uma senhora baixinha e de cabelos brancos, vestida com um fino traje de governanta se aproximou. Ela aparentava seriedade e soberania.

     - Bem vindos à Woodcottage! - sorriu, porém, mantendo o tom de formalidade. - Mr. Sharman, é um prazer conhecê-lo. Eu sou Theodora Wright, governanta chefe. Organizamos a propriedade para esperá-los. Gostariam de conhecê-la? Irei pedir para os criados levarem seus pertences para os seus quartos.

     Assenti um pouco hipnotizado por aquela mulher. Ela transpirava ordem e dever.

     Eu, Anastasia e Robert a acompanhamos por quase todos os cômodos da residência. A sala de estar, com sua mobília antiga e escura, o salão de festas, aparentemente esquecido há anos, a sala de jantar, com cheiro de mofo por estar há muitos anos sem ver a luz do dia.

     - O seu tio era um homem muito solitário e não suportava a luz do dia. Fez questão de escurecer a mobília e a tapeçaria, pois dizia que seus olhos nunca se acostumavam à claridade.

     Caminhamos um pouco mais pelos quartos, enormes e com vista para os jardins, olhamos a sala de música, com os instrumentos cobertos por tecidos brancos já puídos pelo tempo. E a biblioteca, onde tudo permanecia limpo e impecável. O escritório do antigo conde ficava na parte oeste da mansão, onde estantes de ébano e uma mesa de carvalho da mais alta qualidade lhe permitiam fazer reuniões de trabalho com certo conforto.

     - Acho que o senhor já conhece Mr. Robinson, advogado de Woodcottage. Porém, há outros que ainda precisa conhecer. O contador, Mr. Griffths virá amanhã o encontrar e o conselheiro de seu tio, Sir Wallace realizará uma visita na próxima sexta-feira pela manhã.

     Anastasia prestava atenção em tudo o que Mrs. Wright dizia, parecendo anotar cada detalhe em sua cabeça. Eu me sentia cansado e confuso. Aquela casa era um tanto fechada e escura demais. Com poucas luzes e um silêncio perturbador.

     Após conhecermos a mansão, Anastasia e Robert foram para seus aposentos enquanto eu acompanhava o cocheiro, Mr. Thomas, até os estábulos para conhecer o restante da propriedade. Lá fora era agradável e muito bonito, exceto pela nuvem escura que insistia em não ir embora e o vento gelado de primavera que mais parecia outono.

     Pedi que se reunissem todos os funcionários da propriedade e me apresentei para estes. Me fizeram suas observações sobre os cargos que desempenhavam e pediram a solução para um e outro problema que estavam enfrentando. Eu ainda teria muito o que aprender naquele lugar.

     Após o jantar, eu e Anastasia nos juntamos na sala de visitas para conversar um pouco sobre aquele dia tão estranho para nós.

     - Esse lugar me dá arrepios. - disse ela, enquanto cruzava os braços ao redor de seu corpo. O vento assolava as janelas e o telhado, fazendo barulhos estranhos.

     - Ficaremos aqui apenas por um mês. Após o seu baile de debutante, iremos para a França, continuar com nossos afazeres de lá. - tentei confortar-lhe.

     Parecia que o velho conde nos observava dos cantos das paredes. Havia uma sensação estranha no ar, algo fúnebre e atormentado.

     Uma forte chuva começou a cair repentinamente. As luzes dos raios lá fora contribuíam para que o aposento ficasse mais claro. Decidimos que, ainda no dia seguinte, mudaríamos a mobília e começaríamos a abrir as janelas e cortinas.

     Minha irmã se recolheu cedo naquela noite e eu decidi ir até o escritório do velho conde para analisar alguns papéis referentes à propriedade. Precisava estar preparado para lidar com o contador no dia seguinte. Me sentei na escrivaninha, retirando o cantil de whisky do bolso esquerdo do meu casaco. Tomei um forte gole para esquecer os arrepios que aquele lugar estava me dando. Eu teria que passar os próximos 30 dias naquele lugar, precisava me acostumar ao barulho forte do vento.

Depois daquela noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora