#05: Ela outra vez

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     Durante o jantar, naquela noite, eu e Anastasia decidimos que iríamos conhecer o vilarejo de Bedfordshire na próxima segunda-feira. Com as tarefas de Woodcottage, eu ainda não havia tido tempo para me familiarizar com o lugar. Era bonito, disso eu tinha certeza. Pude observar durante o nosso trajeto para Londres. Bosques e jardins circundavam o condado de meu tio e, ao longe, eu podia ver as lamparinas e ruas do pequeno vilarejo.

     Após minha irmã se retirar para descansar, sentei junto à lareira enquanto lia os jornais de Bedfordshire. Não havia nada de especial nas notícias, nada sério ou empolgante. As novidades do local se referiam sempre aos habitantes mais ilustres da região. O filho de um advogado indo estudar em Eton, um marquês que tinha ficado viúvo, casamentos.

     "Parece que o ilustre Mr. Isaac Saunders conseguiu desencalhar uma de suas filhas! Miss. Elizabeth Saunders se casará em breve com Mr. Anthony Collins, dono de metade de Bedfordshire. Será que ela conseguirá lhe dar um herdeiro para continuação da linhagem dos Collin? Ou será como sua mãe que nunca foi capaz de gerar um filho?"

     Este parágrafo em específico me fez perceber que Bedfordshire não era tão diferente de Londres ou Paris. As pessoas eram ridicularizadas por qualquer coisa, sem ponderação. Palavras assim deveriam ser banidas dos jornais, mas este é exatamente o tipo de coluna que vende.

     Saunders... eu já havia ouvido aquele nome durante o dia. Sophie Saunders, claro. Iria debutar junto à Anastasia. Aquela deveria ser só mais uma família aristocrata como tantas outras. Ansiosa por holofotes. Desci para as notícias abaixo naquela página, lendo as manchetes e descartando quase todas.

     "A disputa pelo porco", "Ladrão de cebolas ataca novamente" e "Duquesa com título falso é desmascarada" passam por meus olhos, enquanto eu busco algum título que me seja mais interessante.

     "Mr. Edward Sharman herda as propriedades de seu tio, o Conde Philip de Woodcottage, mas não herda seu título. Saiba por que!

     Essa notícia me pareceria mais interessante se eu já não estivesse bem a par da situação. Afinal, não fizera outra coisa a não ser cuidar dos negócios de meu tio. Estava correndo com tudo para partir para a França dentro de um mês.

     Um vento forte forçou a janela, fazendo-a abrir de forma brusca. Levantei de um salto, deixando o jornal cair no chão. Uma sombra humana refletida na janela se mostrava atrás de mim, parada bem à minha direita. Parecia um ser feminino e dela, vinha um cheiro de flores silvestres. Sua silhueta estava nítida e seus cabelos esvoaçantes me indicaram que eu já conhecia aquela criatura.

     Ela se aproximou ainda mais de mim, enquanto eu a encarava através do reflexo da janela aberta. Eu temia que, ao olhar diretamente para ela, esta desaparecesse outra vez.

     Senti sua mão esquerda tocar o meu ombro e um arrepio gelado invadiu o meu corpo ao sentir o seu toque delicado. Meu coração pulava de ansiedade. Desta vez, eu desejava ainda mais ver o seu rosto, porém, tudo o que eu conseguia enxergar era como um quadro borrado.

     Acordei com o coração aos pulos. Ainda segurava o jornal e a janela mantivera-se fechada. Fora apenas mais um sonho.

     Eu já tive muitos sonhos antes, alguns bons, outros nem tanto, porém, nunca fui de me impressionar facilmente e nunca temi os pesadelos que invadiam meu sono quando era mais novo. Respirei fundo me sentindo um tanto frustrado por não conseguir enxergar o rosto da jovem que me salvara no outro sonho. O que ela estava fazendo na minha mente outra vez?

     Poderia isso ser a falta de uma mulher? Eu não me encontrava com uma já há muitas semanas. Tão imerso estava em meus afazeres diários e compromissos em North Grand House.

     Ainda naquela noite, pedi que um de nossos cocheiros me acompanhasse até o vilarejo. Precisava encontrar uma casa de mulheres. Algo para me entreter e afastar aqueles pesadelos da minha mente.

     No entanto, as noites seguintes vieram acompanhadas de sonhos estranhos e com aquela mulher sem rosto que vinha me fazer companhia. Seu cheiro de flores silvestres pairava pelo quarto enquanto eu estava imerso nos delírios da minha mente.

     Nos sonhos, sua mão se aproximava da minha, delicada e fria. Seus lábios tocavam os meus, suaves e atrevidos. Por vezes, ela colocava a mão sobre meu peito para sentir o palpitar de meu coração. Sua presença vinha acompanhada por sussurros que eu não compreendia, porém, quando ela aparecia nos sonhos, eu não sentia medo. Sentia que precisava tocá-la, abraçá-la, perguntar seu nome. Mas eu sempre acordava antes que pudesse lhe fazer quaisquer perguntas.

Depois daquela noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora