Miss. Morgan nos visitava periodicamente. Mesmo quando não era convidada. Uma vez, esquecera-se de seu chapéu, o que lhe deu uma desculpa para retornar. Outra, veio convidar Anastasia para um chá em sua casa e assim por diante. Ela quase sempre estava em Woodcottage ao lado de minha irmã.
Por mais que seus olhos me deixassem desconfortável, eu gostava que Anastasia tivesse uma companhia jovem e feminina, com quem pudesse compartilhar suas histórias. Ela ainda não havia feito outra amizade no local.
Eu tentava me esquivar o máximo possível das duas quando Miss. Morgan estava presente. Sempre acabava por encontrar algo a ser feito na imensa propriedade.
Na manhã do baile de debutante de minha irmã, Miss. Morgan veio visitá-la. Falava sobre os preparativos para o baile em sua residência. Segundo ela, Londres inteira estava ansiosa para conhecer as novas debutantes daquela estação. As ouvi conversando quando passei em frente à porta da sala de visitas, mas não me detive para cumprimentá-las. Tinha muito à fazer naquele dia, pois um carregamento de vinho havia chegado de North Grand House e eu precisava inspecioná-lo e cuidar para que tudo fosse armazenado da forma correta.Ao passar pela porta da sala de visitas, percebi que ambas se levantaram quando me viram passar rapidamente. Anastasia saiu da sala e veio até mim, acompanhando meus passos apressados.
- Irmão, podemos ir até o vilarejo? Há um chapéu muito bonito, que Miss. Morgan pediu para Madonna Giordanna separar para mim. Porém, não ficará reservado por muito tempo!
- Sim, Mr. Sharman. Um chapéu realmente lindo! Ficará muito belo em sua irmã. - Miss. Morgan emparelhou em meu outro lado, também acelerando seus passos.
- Vamos amanhã, Anastasia! Agora, preciso cuidar de um carregamento de vinhos que acabou de chegar.
- O chapéu não ficará reservado até amanhã. É tão lindo que logo alguém irá comprá-lo. - disse Miss. Morgan, um tanto esganiçada.
Parei por um instante e olhei minha irmã nos olhos. Ela sorria e seus olhos pareciam entusiasmados.
Não consegui lhe negar aquilo.
- Quando eu finalizar o armazenamento dos vinhos, poderemos ir, tudo bem?
Ela assentiu e eu continuei o meu trajeto, fazendo uma pequena reverência à Miss. Morgan.
Alguns minutos depois, dezenas de caixas de madeira estavam sendo descarregadas das carruagens. Eu explicara aos criados como tudo deveria acontecer. Como desencaixar as garrafas, como limpá-las, como guardá-las na adega improvisada que tínhamos construído dias antes. Expliquei cada tipo de vinho e em quais condições deveriam ser armazenados.
- Para novos carregamentos, caso ainda hajam dúvidas, não exitem em me perguntar. - Falei com firmeza.
- Fará muitas vendas de vinho nesta região, senhor. - disse Mr. Brooks, o supervisor de carga. - Não estamos acostumados a comprar bons vinhos no vilarejo. Os que encontramos por aqui, tem gosto de água!
Mr. Brooks era um senhor com barba grisalha e rechonchudo. Já não haviam quase cabelos no topo de sua cabeça e também quase não haviam dentes em sua boca. Possuía um ar de quem sabe das coisas e todos os outros homens o respeitavam e diziam que ele tinha um coração de ouro.
Sorrindo com as palavras dele, me abaixei, peguei uma de nossas garrafas. O nosso melhor Syrah, com uvas vindas da fronteira entre Espanha e França. Conseguimos cultivá-lo perfeitamente na Inglaterra, apesar do clima frio.
Fiz sinal para que ele me entregasse a faca que estava presa em sua cintura e, com agilidade, abri a garrafa. A estendi para ele, que a pegou relutante. Após cheirar a garrafa por um momento, Mr. Brooks bebeu um grande gole. Seus olhos brilhavam e ele abriu um sorriso desdentado erguendo a garrafa, enquanto os seus homens urravam de animação.
Retirei mais algumas garrafas das caixas para que eles pudessem festejar naquela noite!
- Tem um toque de pimenta nesse vinho, Mr. Sharman.- Me disse o velho supervisor em meio à uma risada.
Neste instante, Miss. Morgan gritou na porta da adega.
- Mr. Sharman. Rápido!
Saí imediatamente, preocupado com o que poderia estar acontecendo.Quando a vi, meu coração gelou. Anastasia não estava ali. Instintivamente, soube que algo sério estava acontecendo.
- Anastasia, Mr. Sharman. Resolvida a ir ao vilarejo buscar o chapéu em Madonna Giordanna, pegou um dos cavalos no estábulo e tentou guiá-lo até o vilarejo. Ele saiu em disparada com ela pelo bosque.
Sem lhe pedir mais detalhes sobre o que havia acontecido, apenas lhe perguntei por onde o cavalo a havia levado. Miss. Morgan apontou em uma direção ao leste.
No mesmo instante, montei em um dos cavalos que haviam chegado com o carregamento de vinhos. A sela não estava bem ajustada, mas mesmo assim, não me importei. Precisava alcançar minha irmã.
Avancei pelo bosque na direção indicada por miss. Morgan, gritando o nome de Anastasia o mais alto que pude. Corri com o cavalo para todos os lados possíveis, mas não havia sinal algum dela. Então, como se a farejasse, o cavalo seguiu em outra direção, me fazendo perder o controle de suas rédeas. Por mais que eu tentasse segurá-lo, ele galopava rápido e certeiro.
- Socorro. - pude escutar. Era Anastasia.
O cavalo seguiu a direção do grito e pouco tempo depois, avistei minha irmã por entre as árvores. O cavalo que estava com ela parecia nervoso. Era um dos cavalos de meu tio e não estava acostumado conosco ainda. Continuei seguindo seu rastro, tentando fazer meu cavalo apressar ainda mais seu galope. Mas ele estava cansado.
Sem perder Anastasia de vista, eu não conseguia alcançá-la.
- Anastasia, estou aqui. - Falei para que ela mantivesse a calma.
- Edward! - ela respondeu com a voz cortada pelo vento que batia contra seu rosto. Seus cabelos estavam despenteados e sua expressão não refletia outra coisa, senão pavor.
Quase não percebi quando entramos no vilarejo. Os cavalos levantando poeira e fazendo as pessoas se afastarem com medo. Uma algazarra se formou bem atrás de nós, porém, logo os cavalos estavam de volta ao bosque.
Eu precisava dar um jeito de parar o cavalo de minha irmã. Só não conseguia pensar em como fazer isso. Minha cabeça já estava tonta por causa da correria desenfreada de ambos os cavalos.
Então, algo passou voando ao meu lado. Um cavalo galopando muito mais rápido do que o meu. Uma jovem montava nele com facilidade. Me perguntei se seria uma miragem.
Agilmente, a jovem circundou o cavalo que corria com Anastasia, estendendo-lhe a mão, fazendo este reduzir a velocidade. Sem conseguir pensar direito, emparelhei com o cavalo de minha irmã, aproveitando a baixa velocidade do animal para pular de meu cavalo em sua sela.
Segurei as rédeas com firmeza e o animal parou. Anastasia estava ofegante e tremia dos pés à cabeça. A abracei, enquanto encarava aquela jovem que se afastara um pouco com o seu cavalo e nos observava.
Era ela! A jovem pálida e sem rosto que aparecia nos meus sonhos. Suas vestes negras e seus cabelos bagunçados pelo vento apenas me davam a certeza de que ela era uma criatura da floresta que havia aparecido para salvar a minha irmã. A olhei com gratidão e, pela primeira vez, pude perceber que agora ela possuía um rosto.
Poucos segundos depois, ela virou-se em seu cavalo e se afundou no bosque, fazendo com que eu a perdesse de vista.
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Depois daquela noite
عاطفيةMr. Edward Sharman, divide seu tempo entre a França e a Inglaterra, onde possui propriedades herdadas por sua família para administrar. Após o falecimento de seus pais, ele ficou encarregado de assumir os negócios familiares e de cuidar de sua irmã...